Questões de Português - Coesão e coerência para Concurso
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A corrida armamentista do consumo
Imagine uma corrida em que os contendores se afastam cada vez mais do objetivo pelo qual competem. A corrida armamentista tem dinâmica e propriedades conhecidas: um país decide se armar; os países vizinhos sentem-se vulneráveis e decidem fazer o mesmo a fim de não ficarem defasados; sua reação, porém, deflagra uma nova rodada de investimento bélico no primeiro país, o que obriga os demais a seguirem outra vez os seus passos. A escalada armamentista leva os participantes a dedicarem uma parcela crescente de sua renda e trabalho à garantia da segurança externa, mas o resultado é o contrário do pretendido.
A corrida do consumo tem uma lógica semelhante à da corrida armamentista. Nenhum consumidor é uma ilha: existe uma forte e intrincada interdependência entre os anseios de consumo das pessoas. Aquilo que cada uma delas sente que “precisa” ou “não pode viver sem” depende não só dos seus “reais desejos e necessidades”, mas também, e talvez sobretudo, ao menos nas sociedades mais afluentes, daquilo que os outros ao seu redor possuem. A cada vez que um novo artigo de consumo é introduzido no mercado, o equilíbrio se rompe e o desconforto causado pela percepção da falta impele à ação reativa da compra do bem.
Em ambas as corridas - a armamentista e a do consumo - a lógica da situação obriga a todos a correrem cada vez mais, como hamsters confinados a esferas rotatórias, para não sair do lugar.
(Adaptado de: GIANETTI, Eduardo. Trópicos utópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 102-103)
Texto para o item
Quanto à correção gramatical e à coerência das substituições propostas para vocábulos e trechos destacados do texto, julgue o item.
“seja no mundo real ou virtual” (linha 18) por seja no
mundo real, seja no virtual.
Texto para o item
Em relação ao texto e a seus aspectos linguísticos, julgue o item .
Pelos sentidos do texto, conclui‐se que o termo “os” (linha 3) corresponde a os suspeitos.
Por que os homens ainda demoram a pensar sobre a velhice?
Dra. Maisa Kairalla
Embora todos nós, homens e mulheres, tenhamos o potencial de viver a velhice como uma realidade e em sua plenitude, a grande maioria da ala masculina ainda evita pensar sobre “ser idoso” e, com isso, deixa de se preparar para alcançar a maturidade com qualidade de vida.
Na verdade, existe uma espécie de contradição. Os homens são considerados fisicamente mais fortes, no entanto, em termos de expectativa de vida, vivem menos que as mulheres. Podemos atribuir essa discrepância a fatores biológicos, sociais, psicológicos e comportamentais.
Estudos apontam que os membros do sexo masculino costumam pensar, de fato, na velhice após os 45 anos de idade e, ainda assim, como algo distante. Há um erro de timing aí se considerarmos que o organismo entra no processo de envelhecimento a partir dos 28 anos.
Mas por que será que a rapaziada empurra com a barriga esse olhar lá na frente? Podemos atribuir isso a questões como medo de que, com a idade, surjam doenças incapacitantes, que levem à perda de autonomia e independência. Também há o receio da solidão, de se tornar impotente e perder a virilidade, bem como do temor da morte.
Todos esses pontos tornam a relação entre o homem com a saúde e a sobrevivência um tanto complexa. E ajudam a entender inclusive a resistência de parte da ala masculina a mudar alguns hábitos e a tendência a se esquivar dos cuidados preventivos.
Diferentemente de nós, mulheres, acostumadas ao acompanhamento médico (ao menos com o ginecologista), boa parcela dos homens não costuma ter o monitoramento e a orientação do profissional de saúde – algo que deveria se estender da infância, passar pela adolescência e continuar na vida adulta. Existe, a meu ver, uma crença de que, enquanto eles estão trabalhando e são produtivos, não há razão ou tempo para se preocupar.
Ora, não se trata de procurar pelo em ovo, como diz a sabedoria popular, mas de manter um acompanhamento que, aliado a hábitos saudáveis, reduz (e muito!) o risco de doenças. Doenças que, em última instância, vão comprometer o envelhecimento.
Além disso, há uma questão, digamos, mais cultural e geracional que explica esse comportamento fugitivo do homem em relação à saúde e à velhice. Muitos cidadãos que hoje estão na casa dos 60 anos ou mais aprenderam que “os homens são mais fortes que as mulheres”, no sentido de serem mais ativos e provedores. Essa concepção faz com que construam uma imagem de que não correm riscos, são praticamente indestrutíveis.
Sabemos, no entanto, que, nas últimas décadas, temos vivido mudanças notórias na sociedade que ajudam a romper esse paradigma das diferenças entre homens e mulheres. É provável que os idosos do futuro superem essa visão e tragam um novo olhar inclusive sobre o envelhecimento. Ao derrubar preconceitos e estigmas (de gênero e de qualquer outra ordem), conseguimos utilizar melhor o conhecimento e as ferramentas de prevenção. E, como consequência, envelhecemos melhor.
Disponível em:<https://saude.abril.com.br>
Julgue o próximo item, relativo a aspectos linguísticos do texto CB1A1-I.
O pronome “Isso” (l.5) remete a toda a ideia expressa no
período anterior.
No contexto, os elementos sublinhados acima referem-se, respectivamente, a:
Mantendo as relações de sentido e a correção, as frases acima podem ser articuladas em um único período do seguinte modo:
Texto 1
Como ler os clássicos?
§ 1º Em recente artigo para o jornal The New York Times, o novelista Brian Morton compara a leitura dos grandes escritores do passado a uma viagem no tempo, na qual o aventureiro deve mover-se com cautela, sem jamais tentar impor os seus costumes aos nativos de um longínquo período da história, cujas práticas não correspondem às nossas.
§ 2º Segundo o autor, isso não quer dizer que escritores antigos estejam imunes à crítica contemporânea, como se a autoridade do cânone em relação à crítica seguisse um critério de mérito por antiguidade, a partir do qual um texto deva ser protegido a qualquer custo — pelo simples fato de ter sobrevivido às mais diversas provas de resistência ao tempo.
§ 3º Ora, por mais antigo que seja, nenhum texto está isento de reinterpretações e críticas. Exemplo disso é o que nos propõe o estudioso Harold Bloom em “O Livro de J”, em que discorre sobre a possibilidade de alguns trechos do Pentateuco (os cinco primeiros livros da Bíblia) terem sido compostos por uma mulher.
§ 4º Assim, Morton recomenda que a crítica não se antecipe ao bom exercício da leitura. Algo raro nos dias de hoje, em que muitas vezes se opta por boicotar certas obras antes mesmo de confrontá-las por méritos artísticos específicos e prováveis limitações de fundo ético. Exemplo disso são seus estudantes que evitam a leitura de Edith Wharton (autora de “A Casa da Alegria”) e Dostoiévski, sob o pretexto de que qualquer suspeita de antissemitismo deveria ser banida da literatura.
§ 5º Ao referir-se a esse problema, Morton argumenta que, embora a crescente oposição dos estudantes seja alimentada por uma genuína sede de justiça social, a sobrevivência dos clássicos em departamentos de literatura não seria motivada pela pulsão reacionária de velhos professores, mas pela necessidade de compreendermos o terreno em que a criatividade humana se manifesta em um dado contexto histórico e cultural.
§ 6º Não há dúvidas de que as grandes vozes literárias do passado tenham uma visão de mundo limitada por preconceitos de época. Dessa queixa nem mesmo o mais precavido dos nossos contemporâneos conseguiria se safar! Afinal, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche já declarava ser inevitável que todos os grandes espíritos estivessem ligados aos seus tempos por meio de algum preconceito.
§ 7º Mesmo assim, Morton ressalta que ainda temos muito a ganhar com a cuidadosa leitura desses textos que hoje são tidos por controversos. Segundo o autor, esse ganho se traduziria em um exercício de humildade a partir do qual o exame de um passado literário nos tornaria capazes de refletir sobre as limitações das práticas artísticas e dos costumes morais da nossa própria época.
§ 8º Em um diálogo de 2017 com o psicólogo Jordan Peterson, Camille Paglia faz uma observação complementar ao ressaltar que um texto não resiste ao tempo por imposição de uma elite cultural, mas por meio do seu constante uso pela tradição, enquanto referência à prática literária corrente. Ou seja, aquilo que nós consideramos grande arte é determinado pelas necessidades dos próprios artistas.
§ 9º Ao adotar-se o raciocínio de Paglia, chega-se à conclusão de que a permanência de autores como Homero e Shakespeare no cânone literário não seria consequência de uma conspiração do poder político e acadêmico para privilegiar determinados escritores em detrimento de outros. Isso decorre, portanto, da vitalidade das suas influências ao longo da história.
§ 10. Homero é um dos autores mais relevantes do cânone pelo fato de suas criações servirem de inspiração para escritores outros de épocas diversas. Desde os dramaturgos da antiga Grécia — como Ésquilo, que disse que suas peças não passavam de migalhas do banquete homérico — e Virgílio, o romano, até escritores modernos como o poeta e historiador britânico Robert Graves, autor de “A Filha de Homero”, e a escritora canadense Margaret Atwood com o seu “The Penelopiad”.
§ 11. Da mesma forma, Shakespeare teria influenciado outros escritores desde o seu advento, passando pelo teatro alemão do século 18 — por exemplo, tragédias históricas como “Götz von Berlichingen” e “Egmont” de Goethe — até o cinema japonês do século 20, em filmes do diretor Akira Kurosawa — tanto “Trono Manchado de Sangue” como “Ran”, cujos roteiros são adaptações dos dramas “Macbeth” e “Rei Lear”.
§ 12. Compreender essa teia de influências e associações é uma das tarefas mais difíceis do professor e crítico literário, cuja função mais ampla é a de oferecer ao público uma chave de leitura que seja simultaneamente plausível e criativa, sem que para isso tenha a necessidade de extrapolar os limites de uma obra — ora atribuindo ao texto características inexistentes, ora interpretações anacrônicas —, como se a própria obra e o seu contexto histórico não fossem capazes de despertar a fome literária do leitor.
§ 13. Desde o começo do meu doutorado, reflito sobre a melhor forma de ler e ensinar os clássicos da literatura alemã. Assim, durante o período em que me dedico aos alunos, como nas horas em que desenvolvo a minha tese, busco aplicar uma síntese das duas estratégias abordadas neste pequeno ensaio, quais sejam: a reconstrução de um contexto histórico específico na tentativa de emprestar uma ordem ao emaranhado de influências artísticas e filosóficas necessárias para o entendimento de autores como Goethe.
§ 14. Nesse afã, dedico a maior parte das minhas horas de estudo à versão de Goethe de “Ifigênia em Táuris”. Exercício em que procuro entender o contexto histórico de cada uma das versões dessa tragédia, ao mesmo tempo em que traço uma narrativa mais ampla sobre a recepção do texto original de Eurípides na Alemanha do século 18.
§ 15. Contudo, atento aos detalhes da versão de Goethe, que se distancia tanto do texto euripidiano como de outras versões da época, buscando ressaltar as qualidades morais atribuídas à protagonista, cujas atitudes revelam um importante questionamento sobre a relação entre gênero e autonomia na obra do escritor alemão.
§ 16. Goethe é um dos muitos autores clássicos arbitrariamente criticados pelas suas representações do feminino. No entanto, quanto mais tempo dedico ao estudo da sua obra, mais noto que determinadas críticas não fazem o menor sentido.
§ 17. Isso prova que, muitas vezes, a reputação de um escritor canônico entre os nossos contemporâneos apenas revela a inabilidade de nossa época em reconhecer os raros, porém eficientes, esforços do passado na promoção das liberdades que hoje consagramos.
§ 18. Não se trata de uma simples coincidência que Goethe tenha sido uma importante referência literária para a escritora George Eliot, autora de “Middlemarch”, ou que Elena Ferrante, na atualidade, tome uma citação de “Fausto” como a epígrafe de “A Amiga Genial”, o primeiro dos quatro volumes da ilustre série napolitana — uma espécie de “bildungsroman” (romance de formação ou amadurecimento) para os nossos tempos, sobre a busca de duas amigas por autoconhecimento e liberdade!
ALBURQUEQUE, Juliana de. Folha de S. Paulo, 26 mar. 2019.
TEXTO: Ecologia integral
A ecologia integral parte de uma nova visão da Terra. É a visão inaugurada pelos astronautas a partir dos anos 60 quando se lançaram os primeiros foguetes tripulados. Eles veem a Terra de fora da Terra. De lá, de sua nave espacial ou da Lua, como testemunharam vários deles, a Terra aparece como resplandecente planeta azul e branco que cabe na palma da mão e que pode ser escondido pelo polegar humano.
Daquela perspectiva, Terra e seres humanos emergem como uma única entidade. O ser humano é a própria Terra enquanto sente, pensa, ama, chora e venera. A Terra emerge como o terceiro planeta de um Sol que é apenas um entre 100 bilhões de outros de nossa galáxia, que, por sua vez, é uma entre 100 bilhões de outras do universo, universo que, possivelmente, é apenas um entre outros milhões paralelos e diversos do nosso. E tudo caminhou com tal calibragem que permitiu a nossa existência aqui e agora. Caso contrário não estaríamos aqui. Os cosmólogos, vindos da astrofísica, da física quântica, da biologia molecular, numa palavra, das ciências da Terra, nos advertem de que o inteiro universo se encontra em cosmogênese. Isto significa: ele está em gênese, se constituindo e nascendo, formando um sistema aberto, sempre capaz de novas aquisições e novas expressões. Portanto ninguém está pronto. Por isso, temos que ter paciência com o processo global, uns com os outros e também conosco mesmo, pois nós, humanos, estamos igualmente em processo de antropogênese, de constituição e de nascimento.
Três grandes emergências ocorrem na cosmogênese e antropogênese: (1) a complexidade/diferenciação, (2) a auto-organização/consciência e (3) a religação/ relação de tudo com tudo. A partir de seu primeiro momento, após o Big-Bang, a evolução está criando mais e mais seres diferentes e complexos (1). Quanto mais complexos mais se auto-organizam, mais mostram interioridade e possuem mais e mais níveis de consciência (2) até chegarem à consciência reflexa no ser humano. O universo, pois, como um todo possui uma profundidade espiritual. Para estar no ser humano, o espírito estava antes no universo. Agora ele emerge em nós na forma da consciência reflexa e da amorização. E, quanto mais complexo e consciente, mais se relaciona e se religa (3) com todas as coisas, fazendo com que o universo seja realmente uni-verso, uma totalidade orgânica, dinâmica, diversa, tensa e harmônica, um cosmos e não um caos.
As quatro interações existentes, a gravitacional, a eletromagnética e a nuclear fraca e forte constituem os princípios diretores do universo, de todos os seres, também dos seres humanos. A galáxia mais distante se encontra sob a ação destas quatro energias primordiais, bem como a formiga que caminha sobre minha mesa e os neurônios do cérebro humano com os quais faço estas reflexões. Tudo se mantém religado num equilíbrio dinâmico, aberto, passando pelo caos que é sempre generativo, pois propicia um novo equilíbrio mais alto e complexo, desembocando numa ordem rica de novas potencialidades.
Leonardo Boff - adaptado http://leonardoboff.com/site/lboff.htm - acesso em 09/04/2013
TEXTO: Ecologia integral
A ecologia integral parte de uma nova visão da Terra. É a visão inaugurada pelos astronautas a partir dos anos 60 quando se lançaram os primeiros foguetes tripulados. Eles veem a Terra de fora da Terra. De lá, de sua nave espacial ou da Lua, como testemunharam vários deles, a Terra aparece como resplandecente planeta azul e branco que cabe na palma da mão e que pode ser escondido pelo polegar humano.
Daquela perspectiva, Terra e seres humanos emergem como uma única entidade. O ser humano é a própria Terra enquanto sente, pensa, ama, chora e venera. A Terra emerge como o terceiro planeta de um Sol que é apenas um entre 100 bilhões de outros de nossa galáxia, que, por sua vez, é uma entre 100 bilhões de outras do universo, universo que, possivelmente, é apenas um entre outros milhões paralelos e diversos do nosso. E tudo caminhou com tal calibragem que permitiu a nossa existência aqui e agora. Caso contrário não estaríamos aqui. Os cosmólogos, vindos da astrofísica, da física quântica, da biologia molecular, numa palavra, das ciências da Terra, nos advertem de que o inteiro universo se encontra em cosmogênese. Isto significa: ele está em gênese, se constituindo e nascendo, formando um sistema aberto, sempre capaz de novas aquisições e novas expressões. Portanto ninguém está pronto. Por isso, temos que ter paciência com o processo global, uns com os outros e também conosco mesmo, pois nós, humanos, estamos igualmente em processo de antropogênese, de constituição e de nascimento.
Três grandes emergências ocorrem na cosmogênese e antropogênese: (1) a complexidade/diferenciação, (2) a auto-organização/consciência e (3) a religação/ relação de tudo com tudo. A partir de seu primeiro momento, após o Big-Bang, a evolução está criando mais e mais seres diferentes e complexos (1). Quanto mais complexos mais se auto-organizam, mais mostram interioridade e possuem mais e mais níveis de consciência (2) até chegarem à consciência reflexa no ser humano. O universo, pois, como um todo possui uma profundidade espiritual. Para estar no ser humano, o espírito estava antes no universo. Agora ele emerge em nós na forma da consciência reflexa e da amorização. E, quanto mais complexo e consciente, mais se relaciona e se religa (3) com todas as coisas, fazendo com que o universo seja realmente uni-verso, uma totalidade orgânica, dinâmica, diversa, tensa e harmônica, um cosmos e não um caos.
As quatro interações existentes, a gravitacional, a eletromagnética e a nuclear fraca e forte constituem os princípios diretores do universo, de todos os seres, também dos seres humanos. A galáxia mais distante se encontra sob a ação destas quatro energias primordiais, bem como a formiga que caminha sobre minha mesa e os neurônios do cérebro humano com os quais faço estas reflexões. Tudo se mantém religado num equilíbrio dinâmico, aberto, passando pelo caos que é sempre generativo, pois propicia um novo equilíbrio mais alto e complexo, desembocando numa ordem rica de novas potencialidades.
Leonardo Boff - adaptado http://leonardoboff.com/site/lboff.htm - acesso em 09/04/2013
Os sons de antigamente
Conta-se na família que quando meu pai comprou nossa casa em Cachoeiro do Itapemirim esse relógio já estava na parede da sala e que o vendedor o deixou lá, porque naquele tempo não ficava bem levar.
Há poucos anos trouxe o relógio para minha casa em Ipanema. Mais velho do que eu, não é de admirar que ele tresande um pouco. Há uma corda para fazer andar os ponteiros e outra para fazer bater as horas. A primeira é forte, e faz o relógio se adiantar; de vez em quando alguém me chama a atenção para isso. Eu digo que essa é a hora de Cachoeiro. É comum o relógio marcar, digamos, duas e meia, e bater solenemente nove horas.
Na verdade, essa defasagem não me aborrece nada: há muito desanimei de querer as coisas deste mundo todas certinhas, e prefiro deixar que o velho relógio badale a seu bel-prazer. Sua batida é suave, como costumam ser as desses senhores antigos; e esse som me carrega para as noites mais antigas da infância. Às vezes tenho a ilusão de ouvir, no fundo, o murmúrio distante e querido do meu Itapemirim.
Pois me satisfaz a batida desse velho relógio, que marcou a morte de meu pai e, vinte anos depois, a de minha mãe; e que eu morra às quatro e quarenta da manhã, com ele marcando cinco e batendo onze, não faz mal nenhum; até é capaz de me cair bem.
(Adaptado de BRAGA, Rubem. Casa dos Braga. Rio de Janeiro: Record, 1997, p. 115/117)
Considere as afirmações abaixo.
I. O cronista herdou um velho relógio.
II. Esse velho relógio trabalha com irregularidade.
III. O cronista não se importa com essa irregularidade.
Essas três afirmações compõem um período único de redação clara e correta em:
Os sons de antigamente
Conta-se na família que quando meu pai comprou nossa casa em Cachoeiro do Itapemirim esse relógio já estava na parede da sala e que o vendedor o deixou lá, porque naquele tempo não ficava bem levar.
Há poucos anos trouxe o relógio para minha casa em Ipanema. Mais velho do que eu, não é de admirar que ele tresande um pouco. Há uma corda para fazer andar os ponteiros e outra para fazer bater as horas. A primeira é forte, e faz o relógio se adiantar; de vez em quando alguém me chama a atenção para isso. Eu digo que essa é a hora de Cachoeiro. É comum o relógio marcar, digamos, duas e meia, e bater solenemente nove horas.
Na verdade, essa defasagem não me aborrece nada: há muito desanimei de querer as coisas deste mundo todas certinhas, e prefiro deixar que o velho relógio badale a seu bel-prazer. Sua batida é suave, como costumam ser as desses senhores antigos; e esse som me carrega para as noites mais antigas da infância. Às vezes tenho a ilusão de ouvir, no fundo, o murmúrio distante e querido do meu Itapemirim.
Pois me satisfaz a batida desse velho relógio, que marcou a morte de meu pai e, vinte anos depois, a de minha mãe; e que eu morra às quatro e quarenta da manhã, com ele marcando cinco e batendo onze, não faz mal nenhum; até é capaz de me cair bem.
(Adaptado de BRAGA, Rubem. Casa dos Braga. Rio de Janeiro: Record, 1997, p. 115/117)
Mais velho do que eu, não é de admirar que ele tresande um pouco. (2º parágrafo)
A frase acima ganha uma nova redação, em que se preservam sua correção e seu sentido básico, na seguinte versão:
Darwin nos trópicos
Ao desembarcar no litoral brasileiro em 1832, na baía de Todos os Santos, o grande cientista Darwin deslumbrou-se com a natureza nos trópicos e registrou em seu diário: “Creio, depois do que vi, que as descrições gloriosas de Humboldt* são e sempre serão inigualáveis: mas mesmo ele ficou aquém da realidade”. Mas a paisagem humana, ao contrário, causou-lhe asco e perplexidade: “Hospedei-me numa casa onde um jovem escravo era diariamente xingado, surrado e perseguido de um modo que seria suficiente para quebrar o espírito do mais reles animal.”
O mais surpreendente, contudo, é que a revolta não o impediu de olhar ao redor de si com olhos capazes de ver e constatar que, não obstante a opressão a que estavam submetidos, a vitalidade e a alegria de viver dos africanos no Brasil traziam em si a chama de uma irrefreável afirmação da vida. Darwin chegou mesmo a desejar que o Brasil seguisse o exemplo da rebelião escrava do Haiti. Frustrou-se esse desejo de uma rebelião ao estilo haitiano, mas confirmou-se sua impressão: a África salva o Brasil.
*Alexander von Humboldt (1769-1859): geógrafo, naturalista e explorador prussiano.
(Adaptado de: GIANETTI, Eduardo. Trópicos utópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 167/168)
Isso envolve trabalhar com o conceito de aprendizagem ao longo da vida, ou seja, desde a primeira infância, a fim de desenvolver competências basilares, necessárias para promover autonomia para que todos possam aprender a aprender.
O termo em destaque na frase “Isso envolve trabalhar com o conceito de aprendizagem ao longo da vida...” refere-se à seguinte informação do parágrafo anterior:
O povo é mais forte do que a miséria. Impávido, resiste às provações, vence as dificuldades. De tão difícil e cruel, a vida parece impossível e no entanto o povo vive, luta, ri, não se entrega. Faz suas festas, dança suas danças, canta suas canções, solta sua livre gargalhada, jamais vencido. Mesmo o trabalho mais árduo, como a pesca de xaréu, vira festa. Em tendo ocasião, o povo canta e dança. Em terra ou no mar, nos saveiros e jangadas, nas canoas. Por isso mesmo a Bahia é rica de festas populares. Festas de rua, de igreja, de candomblé. Guardam todas elas nossa marca original de miscigenação, de nossa civilização mestiça.
(Adaptado de: AMADO, Jorge. Bahia de Todos-os-Santos: guia de ruas e mistérios de Salvador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, edição digital)
A ciência moderna e a economia de mercado figuram entre as mais notáveis realizações humanas. A Revolução Científica do século XVII e a Revolução Industrial do século XVIII foram apenas o prelúdio do que viria em seguida - a revolução permanente dos últimos três séculos. Ciência e mercado são apostas na liberdade: liberdade balizada por padrões impessoais de argumentação e validação de teorias no primeiro caso; e por regras que fixam os marcos dentro dos quais a busca do ganho econômico por parte das pessoas é livre, no segundo. Por mais brilhantes, entretanto, que sejam suas inegáveis conquistas, é preciso ter uma visão clara do que podemos esperar que façam por nós: a ciência jamais aplacará a nossa fome de sentido, e o mercado nada nos diz sobre a ética - como usar a nossa liberdade e o que fazer de nossas vidas.
O sistema de mercado - baseado na propriedade privada, nas trocas voluntárias e na formação de preços por meio de um processo competitivo reconhecidamente imperfeito - define um conjunto de regras de convivência na vida prática. A regra de ouro do mercado estabelece que a recompensa material dos seus participantes corresponderá ao valor monetário que os demais estiverem dispostos a atribuir ao resultado de suas atividades: a remuneração de cada um, portanto, não depende da intensidade dos seus desejos de consumo, do civismo de suas ações, do seu mérito moral ou estético. Dependerá tão somente da disposição dos consumidores em pagar, com parte do ganho do seu próprio trabalho, para ter acesso aos bens e serviços que o outro oferece. Mas o mercado não decide, em nome dos que nele atuam, os resultados finais da interação. Assim como a gramática não determina o teor das mensagens, mas apenas as regras das trocas verbais, também o mercado não estabelece de antemão o que será feito e escolhido pelos que dele participam.
(Adaptado de: GIANETTI, Eduardo. Trópicos utópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, edição digital)