O varejo da experiência
Na mão inversa do gigantesco crescimento do comércio eletrônico, assistimos a uma transformação do varejo físico tradicional. Seja em relação à atividade dos shopping centers, seja em relação ao varejo de rua (brick-and-mortar stores), são conhecidas as razões que levaram ao atual cenário: ganhos de escala do on-line contra elevados custos de operação – mão de obra e
imobiliário – do varejo físico; a eficiência logística e o conforto da entrega do on-line em casa; e a quase infinita variedade de
produtos ofertados nas grandes plataformas e sites, em comparação com o estoque para venda em uma loja.
Nesse cenário, nem mesmo os grandes grupos de moda ficaram imunes: todos se veem diante de um cenário de redução
de pessoal e dos números de pontos físicos. Diante dessa turbulência, existe uma solução para o ressurgimento do comércio
varejista? E a resposta, por mais incrível que pareça, é um sim.
Na verdade, ela já se encontra em andamento, por meio do “varejo de experiência” (experiential retail). Essa nova perspectiva parte da premissa de que o consumidor físico segue existindo, mas agora requer espaços (lojas) que ofereçam não
apenas produtos, mas imersões. Estamos diante de um consumidor sensorial que não mais se contenta com o mero comprar.
Recente pesquisa de um think tank do varejo americano traz números impressionantes: 60% dos consumidores do varejo
físico requerem mais espaço em uma loja para experiências do que para produtos: 81% aceitam pagar um preço superior se
passam por “experiências” antes de comprar; 93% dos consumidores que adquirem a partir de experiências – e não por fatores
econômicos – se tornam clientes fiéis da marca ou da empresa.
Conceitualmente as “experiências” do varejo podem ser tomadas como um conjunto de ações e de iniciativas inovadoras
que caminham lado a lado, dentro do processo de desenvolvimento de uma marca ou produto. Para tanto, partem de alguns
pressupostos, como a habilidade que permita o estabelecimento de uma relação pessoal desde o vendedor até os proprietários
da marca; uma estética própria que vá desde a funcionalidade e apresentação do produto até questões de ESG. E, embora seja
um contrassenso querer catalogar todas as possíveis experiências, posto que a criatividade aqui deve ser ilimitada, destacamos
algumas que vêm sendo incorporadas por empresas com varejo físico.
A primeira delas é a realização de eventos que permitam uma aproximação com os clientes, formadores de opinião, influenciadores digitais e imprensa. A verdade é que o pós-pandemia exacerbou a necessidade de um sentimento de pertencimento,
que, via de regra, se desenvolve prioritariamente pelo contato físico e preferencialmente em um ambiente despojado em que
a experiência possa ser lembrada.
Uma outra abordagem é a interação com a cultura, as artes e o esporte. Apoio a feiras de arte, desfiles de moda, espetáculos teatrais ou um camarote de carnaval. Participação em um torneio de tênis ou suporte a grandes clubes ou exposição em
estádio de futebol. Nesse caso, naturalmente se desenvolve uma associação mental entre a marca e um momento ou período
prazeroso, o qual foi propiciado pela experiência.
As parcerias também são formas de experiências que turbinam a percepção de mercado, ao juntar empresas e produtos
que não competem entre si, quando, pelo contrário, se complementam. Chamadas de co-branding, as parcerias ainda têm a
vantagem de permitir a troca de experiências não só dentro da comunidade que se quer cativar, como também entre os próprios staffs das empresas envolvidas. Os chamados seedings ou “recebidos” são ações de co-branding que geram encantamento
e conteúdo que são facilmente multiplicados nas redes sociais.
Também o envolvimento com questões sociais e ambientais. Nos dias atuais, as empresas são cobradas não só pelo que
produzem ou vendem, mas por seus posicionamentos em temas que transcendem a atuação empresarial. Trata-se de uma
abordagem por vezes delicada, mas que é irrenunciável. Vivemos um momento em que a omissão pode ser tão ou mais maléfica
que um posicionamento que possa até mesmo se mostrar como o não mais adequado.
Enfim, por meio dessas e de outras formas de experiência, o comércio varejista começa um novo tempo. Deve assim ser
utilizado como um ambiente de criatividade, de inovação e de aproximação com a sociedade ao atuar complementarmente a
outros canais de comercialização.
(JANUZZI, Melissa. Em: 06/10/2023.)