INSTRUÇÃO: Leia, com atenção, o texto abaixo para responder à questão que se segue.
Zica com “c” é uma gíria brasileira que significa mau agouro, azar, maldição,
momento de baixoastral, quando tudo dá errado. A origem da palavra não se sabe ao certo,
mas há quem jure que seria uma contração da palavra ziquizira. Faz sentido. Não tem nada a
ver com a zika, triste doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti. Triste porque infecta o
cérebro de bebês no útero materno, triste porque atesta nossa incompetência de país
subdesenvolvido diante do mosquito que também transmite a dengue, triste porque pode
atingir 1,5 milhão de pessoas no Brasil neste ano, segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS).
Cada fala da presidente Dilma Rousseff sobre a zika vira uma festa para humoristas e
um constrangimento para a maioria da população – não, claro, para os militantes dilmistas,
que a perdoam sempre e atribuem esses lapsos à pressão da dieta argentina ou da “inquisição
medieval” contra ela e contra Lula. Dilma já chamou o mosquito de vírus. Dilma já chamou a
zika de vetor. Dilma já disse que a doença é transmitida por ovos infectados por vírus. Dilma já
inventou um outro inseto que seria especializado em zika, e que não seria o mesmo da
dengue.
Dilma também disse que “o Brasil não parou e nem vai parar” – e não vai mesmo
parar de piorar enquanto ela achar que o inferno são os outros. A microcefalia do Planalto não
permite que criatura e criador caiam na real. Dilma e Lula estão juntos na saúde e na doença,
na alegria e na tristeza. Juntos no idioma maltratado. Juntos na solidariedade a Zé Dirceu, o
consultor-modelo que mais voou em jatinhos de empreiteiros e lobistas, abastecidos por
propinas. Juntos no discurso de perseguição da “mídia”, da Lava Jato e dos delatores
premiados.
Pode continuar a trocar o ministro da Saúde, o ministro da Fazenda, o ministro do
Planejamento, o ministro da Educação (aliás, por onde anda Aloizio Mercadante, qual será seu
bloco escolar este ano?). De nada vai adiantar essa dança das cadeiras ministeriais para
agradar a um ou outro partido. Não são eles os mosquitos vetores que contaminaram o Brasil
com uma ziquizira da qual será muito difícil sair. O da Saúde, Marcelo Castro, formado em
psiquiatria, depois de espalhar piadinhas de mau gosto com mulheres grávidas, cometeu o
pecado fatal: foi sincero. Marcelo Castro disse que o Brasil “está perdendo feio” a guerra
contra o mosquito – e isso é o fim da picada, não é, presidente?
Dilma não convive com a sinceridade. Seu governo não erra. Aliás, “se erra”, como
admitiu há alguns meses, erra pouco e sem maldade – e tudo tem conserto. Erra porque foi
vítima. Suas amigas, do gênero Erenice Guerra, também sempre acertam. Se erram, é por
ingenuidade ou por falta de memória. A ex-ministra Erenice é ingênua, dá para sentir. E nem lembra quem pagou viagens aéreas dela. Dilma também já se esqueceu de muitas canetadas
nessa roda-viva de Petrobras, Casa Civil, Presidência da República. Seu problema não foi o
mosquito, mas a mosca azul.
Para a mosca azul não há antídoto nem vacina. A mosca, num passe de mágica, tira
as contas do vermelho num gráfico ilusório, com a sua, a nossa ajuda. Uns bilhões do FGTS
aqui, outros da CPMF ali, e pronto. O país fica cor-de-rosa, a cor dos programas eleitorais do
PT. Só que não, a conta não fecha mesmo assim, porque o Estado brasileiro é voraz e
gigantesco. Não há foco na redução do tamanho. Só no aumento de taxas, impostos e contas
de serviços públicos. A dívida pública federal terminou 2015 em R$ 2.793 trilhões. A dívida –
assim como o Brasil – não vai parar.
Diante do Conselhão de quase uma centena de empresários, empreendedores,
banqueiros e autoridades – sem a presença incômoda da imprensa –, Dilma lançou um plano
de sete medidas para liberar R$ 83 bilhões em crédito para habitação, agricultura,
infraestrutura, pequenas e médias empresas. A maior parte desse dinheiro viria do FGTS.
Crédito para um país em recessão, que não acredita na capacidade do governo para enfrentar
a crise. Dilma disse que, para “a travessia a um porto seguro”, a CPMF é “a melhor solução
disponível”.
Não existe nem espaço para o crédito moral, quando se vê Lula, o fiador de Dilma,
acuado por delações que o envolvem em reformas milionárias e obscuras de imóveis como o
tríplex do Guarujá ou o sítio de Atibaia – hoje amaldiçoados. Na vida real, os juros batem
recorde e famílias endividadas precisam refinanciar seus débitos porque não podem lançar
mão do dinheiro alheio. O Solaris não nasce para todos. A zica que contaminou o país tem
origem na Capital.
(Disponível em : https://oglobo.globo.com/epoca/colunas-e-blogs/ruth-de)