Questões de Português - Colocação Pronominal para Concurso
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Texto 1
Antes que elas cresçam
Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.
É que as crianças crescem. Independentes de nós, como árvores, tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença. Crescem como a inflação, independente do governo e da vontade popular. Entre os estupros dos preços, os disparos dos discursos e o assalto das estações, elas crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância.
Mas não crescem todos os dias, de igual maneira; crescem, de repente.
Um dia se assentam perto de você no terraço e dizem uma frase de tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.
Onde e como andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê aquele cheirinho de leite sobre a pele? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços, amiguinhos e o primeiro uniforme do maternal?
Ela está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça. Ali estão muitos pais, ao volante, esperando que saiam esfuziantes sobre patins, cabelos soltos sobre as ancas. Essas são as nossas filhas, em pleno cio, lindas potrancas.
Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão elas, com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros ou, então com a suéter amarrada na cintura. Está quente, a gente diz que vão estragar a suéter, mas não tem jeito, é o emblema da geração.
Pois ali estamos, depois do primeiro e do segundo casamento, com essa barba de jovem executivo ou intelectual em ascensão, as mães, às vezes, já com a primeira plástica e o casamento recomposto. Essas são as filhas que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e da ditadura das horas. E elas crescem meio amestradas, vendo como redigimos nossas teses e nos doutoramos nos nossos erros.
Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos. Longe já vai o momento em que o primeiro mênstruo foi recebido como um impacto de rosas vermelhas. Não mais as colheremos nas portas das discotecas e festas, quando surgiam entre gírias e canções. Passou o tempo do balé, da cultura francesa e inglesa. Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas. Só nos resta dizer “bonne route, bonne route”, como naquela canção francesa narrando a emoção do pai quando a filha oferece o primeiro jantar no apartamento dela.
Deveríamos ter ido mais vezes à cama delas ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de colagens, pôsteres e agendas coloridas de Pilot. Não, não as levamos suficientemente ao maldito “drive-in”, ao Tablado para ver “Pluft”, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas merecidas.
Elas cresceram sem que esgotássemos nelas todo o nosso afeto.
No princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, comidas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhas. Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de sorvetes e sanduíches infantis. Depois chegou a idade em que subir para a casa de campo com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma aqui na praia e os primeiros namorados. Esse exílio dos pais, esse divórcio dos filhos, vai durar sete anos bíblicos. Agora é hora de os pais na montanha terem a solidão que queriam, mas, de repente, exalarem contagiosa saudade daquelas pestes.
O jeito é esperar. Qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco.
Por isso, os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável afeição. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto. Por isso, é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que elas cresçam.
Affonso Romano de Sant´ Anna (Fonte: http://www.releituras.com/arsant_antes.asp, acesso em janeiro de 2020.)
Texto 2
POEMA ENJOADINHO
Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como o queremos!
Banho de mar
Diz que é um porrete...
Cônjuge voa
Transpõe o espaço
Engole água
Fica salgada
Se iodifica
Depois, que boa
Que morenaço
Que a esposa fica!
Resultado: filho,
E então começa
A aporrinhação:
Cocô está branco
Cocô está preto
Bebe amoníaco
Comeu botão. F
ilhos? Filhos.
Melhor não tê-los
Noite de insônia
Cãs prematuros
Prantos convulsos
Meu Deus, salvai-o!
Filhos são o demo
Melhor não tê-los...
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Como saber
Que macieza
Nos seus cabelos
Que cheiro morno
Na sua carne
Que gosto doce
Na sua boca!
Chupam gilete
Bebem xampu
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!
(Fonte: Vinícius de Moraes. Poesia completa & prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1987. p. 261-2.)
TEXTO II
[4 de novembro de 1855]
Desejava dirigir uma pergunta aos meus leitores.
Mas uma pergunta é uma coisa que não se pode fazer sem um ponto de interrogação.
Ora, eu tenho uma birra muito séria a esta figurinha de ortografia, a esta espécie de corcundinha que parece estar sempre chasqueando e zombando da gente.
Com efeito, o que é um ponto de interrogação?
Se fizerdes esta pergunta a um gramático, ele vos atordoará os ouvidos durante uma hora com uma dissertação de arrepiar os cabelos.
Entretanto, não há coisa mais simples de definir do que um ponto de interrogação; basta olhar-lhe para a cara.
Vede: ?
É um pequeno anzol.
Ora, para que serve o anzol?
Para pescar.
Portanto, bem definido, o ponto de interrogação é uma parte da oração que serve para pescar.
Exemplo:
1º Quereis pescar um segredo que o vosso amigo vos oculta, e que desejais saber; deitais o anzol disfarçadamente com a ponta da língua:
– Meu amigo, será verdade o que me disseram, que andas apaixonado?
2º Quereis pescar na algibeira de algum sujeito uma centena de mil réis; preparais o cordel e lançais o anzol de repente:
– O Sr. pode emprestar-me uns duzentos mil réis aí?
3º Quereis pescar algum peixe ou peixãozinho: requebrais os olhos, adoçai a voz, e, por fim, deitais o anzol:
– Uma só palavra: tu me amas?
É preciso, porém, que se advirta numa coisa. O ponto de interrogação é um anzol, e por conseguinte serve para pescar; mas tudo depende da isca que se lhe deita.
Nenhum pescador atira à água o seu anzol sem isca; ninguém portanto diz pura e simplesmente:
– Empresta-me trezentos mil réis?
Não; é preciso que o anzol leve isca e que esta isca seja daquelas que o peixe que se quer pescar goste de engolir.
Alguns pescadores costumam deitar um pouco de mel, e outros seguem o sistema dos índios que metiam dentro d’água certa erva que embebedava os peixes.
Assim, ou dizem:
– Meu amigo, o senhor, que é o pai dos pobres, (isca) empresta-me trezentos mil réis? (anzol).
Ou então empregam o segundo meio:
– Será possível que o benfeitor da humanidade, o homem que todos apregoam como a generosidade personificada, que o cidadão mais popular e mais estimado desta terra, que o negociante que revolve todos os dias um aluvião de bilhetes do banco, me recuse a miserável quantia de trezentos mil réis?
No meio do discurso, já o homem está tonto de tanto elogio, de maneira que, quando o outro lhe lança o anzol, é, com certeza, de trazer o peixe.
Ainda tinha muita coisa a dizer sobre esta arte de pescar na sociedade, arte que tem chegado a um aperfeiçoamento miraculoso. Fica para outra ocasião.
Por ora basta que saibam os meus leitores que o ponto de interrogação é um verdadeiro anzol.
O caniço desta espécie de anzol é a língua, e o fio ou cordel a palavra; fio elástico como não há outro no mundo. […]
Adaptado de: ALENCAR, José de. Ao correr da pena. Edição preparada
por João Roberto Faria. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
Leia um trecho do romance “A Madona de Cedro”, de Antonio Callado, para responder à questão.
No primeiro dia no Rio de Janeiro, Delfino Montiel quase se afogou. Ele tinha aprendido a nadar menino ainda no rio das Velhas, na fazenda de seu tio Dilermando. Mas a corrente dos rios é honesta e determinada, vai reta e sempre se disciplina pelas margens. O mar... Ora, quem vai entender o mar? Delfino largou-se para o mar no mesmo dia em que chegara ao Rio. Atravessou a areia e foi entrando no mar numa espécie de exaltação. Queria chorar com aquela frescura de água azul, queria abraçar e beijar o mar. A primeira onda que lhe veio ao encontro, Delfino a recebeu de braços abertos. Ela o derrubou numa cascata de areia e espuma. Ele bebeu água, muita, mas estava embriagado de mar.
Só quando já se achava sentado na areia, arquejante, entre uma súcia de curiosos, é que Delfino compreendeu que quase tinha morrido afogado. Um dos que o havia salvo era um rapagão simpático que lhe perguntou:
– Você donde é que veio, patrício, de Cabrobó1 ou Caixa Prego2?
– De Congonhas do Campo, respondeu Delfino ingenuamente.
Muita gente riu em torno dele.
– Pois, se você ainda quer rever Congonhas, trate o mar com mais desconfiança.
Enquanto o rapaz se afastava, Delfino notou principalmente o riso de uma menina de cabelos cor de mel. Ele a notou porque a menina não queria exatamente rir, com pena dele que estava, mas sua companheira ria tão à vontade que ela não podia deixar de acompanhá-la.
Com os olhos fitos nela, Delfino a foi acompanhando com a vista enquanto a menina entrava no mar. Viu logo que era uma amiga íntima do mar. Viu-a furar uma primeira onda, ligeira e exata como uma agulha mergulhando na dobra azul de um pano. Quando ela se levantou do mergulho, o cabelo cor de mel estava preto e grudado ao pescoço, preto-esverdeado, como se ela tivesse voltado mais marinha do fundo do mar.
(Record/Altaya. Adaptado)
1Cabrobó é uma cidade pernambucana no sertão do São Francisco.
2Caixa Prego significa lugar muito distante, longínquo.