Leia o texto para responder
à questão.
“Vocês me desculpem, sou uma
desaletrada, mas agora tomei gosto
por dizer as coisas, por contar a minha
história”, diz Lindacy Menezes, 64 anos,
doméstica, ao revelar a descoberta da
literatura. Criada por uma dona de um
bordel no Recife, a pernambucana vive
na favela da Rocinha, Rio, desde os
anos 70. Era uma das mais animadas
vozes de um encontro do projeto Você é
o que lê, na Garagem das Letras, centro
cultural de moradores da comunidade
carioca.
“Desaletrada, nem sabia o que era
texto, o que era poema”, disse Lindacy,
antes de mandar os seus versos para a
plateia. Convidado especial do evento, o
jornalista e escritor Zuenir Ventura, autor
de Cidade Partida, clássico moderno
sobre a violência brasileira, escuta
atentamente a prosódia e comenta:
“Isso é Guimarães Rosa!”.
A menina criada no cabaré da zona
portuária recifense é uma narradora de
primeira. Há cinco anos soube de uma
ofi cina da Festa Literária das Periferias
(Flup) e resolveu mandar umas linhas
para concorrer a uma vaga. Ditou “umas
besteirinhas” para a sua fi lha – não sabia
usar o computador – e foi selecionada.
“Depois disso, não parei e não paro
nunca mais.” Aguarde o livro com a
saga dessa mulher. Estarei na fila de
autógrafos.
Há uma fome de contar histórias naquele
cenário onde muitos becos e vielas estão
manchados de sangue. Sangue de gente muito jovem. Meninos imprensados
entre policiais e traficantes. É preciso
contar para que não vingue apenas o
relato oficial dos boletins de ocorrência.
[...]
Outra obra de ficção do Estado, com
auxílio do departamento de mentiras
municipais, é o funcionamento da
Biblioteca Parque. Aberta em 2012, sob
influência e modelo dos centros de leitura
de Bogotá e Medellín (Colômbia), fechou
as portas na cara da comunidade desde
o ano passado. A alegação é de falta de
recursos para bancar os funcionários.
[...]
Bibliotecárias contaram o efeito
devastador do fechamento do espaço
cultural que reunia centenas de
moradores atraídos pelos livros, pela
DVD-teca, pelo cineteatro, estúdio
de gravações, internet comunitária,
cozinha-escola, etc.; um desastre social,
resumiram, mais uma tragédia carioca e
brasileiríssima. Dinheiro para as balas
do extermínio da juventude periférica, é
sempre bom lembrar, nunca falta.
Xico Sá, “A Desaletrada da Rocinha”. In: Crônicas para ler em qualquer lugar.
Todavia. Adaptado.