As Boas Coisas da Vida
Rubem Braga
Uma revista mais ou menos frívola pediu a várias
pessoas para dizer as “dez coisas que fazem a vida
valer a pena”. Sem pensar demasiado, fiz esta
pequena lista:
- Esbarrar às vezes com certas comidas da infância,
por exemplo: aipim cozido, ainda quente, com
melado de cana que vem numa garrafa cuja rolha é
um sabugo de milho. O sabugo dará um certo gosto
ao melado? Dá: gosto de infância, de tarde na
fazenda.
- Tomar um banho excelente num bom hotel, vestir
uma roupa confortável e sair pela primeira vez pelas
ruas de uma cidade estranha, achando que ali vão
acontecer coisas surpreendentes e lindas. E
acontecerem.
- Quando você vai andando por um lugar e há um
bate-bola, sentir que a bola vem para o seu lado e, de
repente, dar um chute perfeito – e ser aplaudido pelos
serventes de pedreiro.
- Ler pela primeira vez um poema realmente bom. Ou
um pedaço de prosa, daqueles que dão inveja na
gente e vontade de reler.
- Aquele momento em que você sente que de um
velho amor ficou uma grande amizade – ou que uma
grande amizade está virando, de repente, amor.
- Sentir que você deixou de gostar de uma mulher
que, afinal, para você, era apenas aflição de espírito e
frustração da carne – essa amaldiçoada.
- Viajar, partir…
- Voltar.
- Quando se vive na Europa, voltar para Paris,
quando se vive no Brasil, voltar para o Rio.
- Pensar que, por pior que estejam as coisas, há
sempre uma solução, a morte – o assim chamado
descanso eterno.
Texto adaptado de BRAGA, R., As Boas Coisas da
Vida, 1988.