Entrevista: virologista destaca desafios e avanços no combate à dengue.
27/02/2024
Fonte: ICC/Fiocruz Paraná
O aumento do número de casos de dengue em diferentes regiões do país em 2024 mobiliza gestores públicos, pesquisadores e profissionais de saúde para a implantação de ações de combate ao mosquito transmissor e ao enfrentamento do vírus em todo o território nacional. Segundo dados do Ministério da Saúde,
são mais meio milhão de casos desde o início de 2024. [...]
Durante sua visita ao Brasil no mês de fevereiro, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus,
enfatizou que o surto de dengue no país é parte de um alarmante aumento global de casos. Ao longo de
2023, mais de 500 milhões de casos e 5 mil mortes foram registrados em cerca de 80 países. Tedros atribuiu
esses números ao fenômeno El Niño e ao aumento das temperaturas globais.
Em entrevista para o portal da Fiocruz Paraná, a pesquisadora e chefe do Laboratório de Virologia da unidade, Claudia Nunes Duarte dos Santos, corrobora com as observações do diretor da OMS sobre o impacto
do desequilíbrio ambiental na proliferação dos mosquitos vetores e alerta que a incorporação da vacina no
Programa Nacional de Imunização é um recurso valioso, mas deve ser complementada por ações integradas
de prevenção, vigilância e uma maciça participação da população e do poder público para eliminar o vetor.
A cientista coordena o serviço de referência para o Ministério da Saúde em vírus emergentes e reemergentes.
A dengue persiste como um considerável desafio para a saúde pública brasileira ao longo dos anos.
Indo direto ao ponto, qual a forma eficaz para combatê-la?
O combate a essa doença demanda um esforço coletivo, envolvendo intervenção efetiva do poder público e
a participação ativa da população na eliminação dos focos do Aedes aegypti, vetor da doença, em áreas de
residências e quintais, além de parques e praças, pois se trata de um mosquito que coabita com humanos.
Existem estratégias alternativas importantes como o uso de mosquitos geneticamente modificados e a aplicação da técnica de Wolbachia e agora, mais recentemente a incorporação da vacina no Programa Nacional
de Imunizações. É importante ressaltar que a dengue nos traz um viés social, evidenciado pela presença de
mais casos em regiões com menos acesso a recursos, em populações mais vulneráveis e por isso de medidas educativas aliadas a práticas preventivas são fundamentais.
O combate ao Aedes aegypti ainda é caminho mais eficaz para a prevenção?
A proliferação de mosquitos impacta diretamente na frequência e magnitude de surtos não apenas de dengue, mas de também outros vírus transmitidos por mosquitos como chikungunya e zika, mas o panorama
atual apresenta desafios adicionais. O aquecimento global e a destruição da biodiversidade alteram o ciclo
destes vetores e a dinâmica de transmissão do vírus, essas mudanças afetam diretamente o ciclo biológico
dos mosquitos, que depende fortemente de fatores como pluviosidade (disponibilidade de pontos com água
para a postura dos ovos) e temperaturas mais altas para a eclosão dos ovos e geração de mosquitos adultos.
Estes fatores culminaram com a dispersão de mosquitos vetores e consequentemente da doença para áreas
antes consideradas livres por apresentarem condições adversas ao mosquito com temperaturas mais baixas
e maiores altitudes. [...]
A vacina é mais uma aliada nessa luta…
Realmente, mas não existe no momento uma bala de prata para a erradicação da dengue. Trata-se de uma
doença complexa causada por quatro vírus relacionados entre si mas diferentes (dengue 1,2 3 e 4), que
podem co-circular em uma mesma região. Ademais é uma imunopatologia, isto é, os sinais clínicos estão
relacionados à resposta do hospedeiro à infecção, aumentando ainda mais os desafios. A vacina é um recurso valioso, mas devido ao número de doses que a empresa é capaz de produzir, foi direcionada a um
dos grupos mais vulnerável, e para áreas mais afetadas. Desta forma, as ações de combate ao mosquito
vetor, medidas educativas sobre a eliminação de criadouros, uso de barreiras físicas como repelentes, aliados a intervenções contínuas do poder público, são ferramentas fundamentais para o enfrentamento da
dengue e outras arboviroses (vírus transmitidos por artrópodes). [...]
E sobre o vírus, quais os aspectos mais desafiadores?
Diferente de outros arbovírus que causam doenças como zika, febre amarela e chikungunya, o vírus da
dengue apresenta quatro sorotipos denominados DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4 e cada um apresenta diferentes variações genéticas. Por essa complexidade é que levamos algumas décadas para desenvolver esse imunizante que será oferecido pelo SUS agora. [...]
Como todos os vírus que possuem o material genético composto por uma molécula de RNA polaridade
positiva, o vírus da dengue apresenta alta capacidade de mutação devido à ausência de mecanismos que
permitem “consertar erros” durante a replicação do RNA viral. Essas mutações podem tornar o vírus mais
competente e mais adaptado, influenciando aspectos do perfil clínico e da transmissão da doença. Nesse
sentido, o sequenciamento genômico e a vigilância ativa, realizados por redes laboratoriais de referência,
são cruciais para identificar novos vírus, potenciais marcadores de gravidade a novas áreas de circulação,
podendo expor populações mais suscetíveis.
O Paraná está entre os quatro estados brasileiros com maior número de casos. Antigamente existia
a ideia de que, em regiões mais frias, a dengue não chegava. Isso não tem mais validade, correto?
Correto. Esse dado só reforça a influência das mudanças climáticas na disseminação do vírus. Com o aumento da temperatura nessas localidades onde o frio predominava e, com as chuvas mais intensas, todas
as regiões do país têm potencial para o registro do aumento de casos, já que o vírus circula em todo o
território brasileiro e atualmente em outros países da América do Sul como Uruguai, por exemplo, que durante muito tempo foi considerado área livre de dengue. [...]
https://portal.fiocruz.br/noticia/2024/02/entrevista-virologista-destaca-desafios-e-avancos-no-combate-dengue