Quando se fala em palhaço, duas imagens costumam vir
logo à cabeça. Palhaço, infelizmente, é aquele de quem muitos
têm medo. Ele pega alguém da plateia para ridicularizar, faz
grosserias, piadas inconvenientes. Crianças têm medo de
palhaços. Filmes de terror exploram impiedosamente nossas
fantasias infantis sobre tal figura. Esses palhaços malvados
existem em nosso imaginário e, felizmente, são a minoria na
realidade. Neste exato instante em que você lê estas palavras,
milhares de palhaços em todo o mundo estão em hospitais,
campos de batalha, campos de refugiados, escutando pessoas,
relacionando-se verdadeiramente com elas, buscando, por meio
do afeto e do humor, amenizar a dor daqueles que estão passando
por situações trágicas e delicadas. Dessa imagem inferimos por
que a comédia é uma espécie de tratamento para a tragédia. Um
tratamento que não nega nem destitui a existência do pior, mas
que faz com ele uma espécie de inversão de sentido. Assim,
introduzimos que o horizonte do que o palhaço escuta é a
tragédia da vida, a sua realidade mais extensa de miséria e
impotência, de pequenez e arrogância, de pobreza e desencontro,
que se mostra como uma repetição insensata sempre. O palhaço é
um realista, mas não um pessimista. Ele mostra a realidade
exagerando as deformações que criamos sobre ela. Primeira lição
a tirar disso para a arte da escuta: escutar o outro é escutar o que
realmente ele diz, e não o que a gente ou ele mesmo gostaria de
ouvir. Escutar o que realmente alguém sente ou expressa, e não o
que seria mais agradável, adequado ou confortável sentir. Escutar
o que realmente está sendo dito e pensado, e não o que nós ou ele
deveríamos pensar e dizer.
Christian Dunker e Cláudio Thebas.
O palhaço e o psicanalista: como escutar os outros pode transformar vidas.
São Paulo: Planeta do Brasil, 2019, p. 30-1 (com adaptações).