Questões de Concurso
Comentadas sobre pronomes relativos em português
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Não penso que exista realmente uma introdução para a análise de discurso [...] Haverá sempre [...] muitas maneiras de apresentá-la e sempre a partir de perspectivas que mostram menos a variedade da ciência que a presença da ideologia.
(ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 12. ed. Campinas: Pontes Editores, 2015, p. 7)
No fragmento acima, os termos destacados têm respectivamente valor de conjunção integrante e pronome relativo; fato similar ocorre em:
Hoje as forças da criação de riqueza já não favorecem a expansão da privacidade, mas trabalham para solapá-la. (4° parágrafo)
Encaramos um futuro no qual a vigilância ativa é uma parte tão rotineira das transações... (4° parágrafo)
A situação nos faz recordar que ela não é um traço básico da existência humana... (3° parágrafo)
No contexto, os elementos sublinhados acima referem-se, respectivamente, a:
Disseminação da violência
A violência não se administra nem admite negociação: é da sua natureza impor a força como método. Sua lógica final é a adoção da barbárie. As instituições humanas existem para regulamentar nossos ímpetos, disciplinar nossas ações, impedir que se chegue à supremacia da violência. São chamados justamente de “supremacistas” (um neologismo, para atender a uma necessidade de nossos tempos violentos) aqueles que querem se impor pela força bruta, alcançar um poder hegemônico. Apoiam-se eles em ideologias que cantam a superioridade de uma etnia, de uma cultura, de uma classe social, de uma seita religiosa. Acabam por fazer de sua brutalidade primitiva uma “instituição” organizada pelo princípio brutal da lei do mais forte.
Talvez em nenhuma outra época foi tão premente a necessidade de se fortalecerem as instituições que de fato trabalham a favor do homem, da coletividade, do interesse público. A profusão e a difusão das chamadas redes sociais puseram a nu a violência que está em muitos e que já não se envergonha de si mesma, antes se proclama e se propaga com inaudito cinismo. Estamos todos diante de um grande espelho público e anônimo, onde se projeta o que se é ou o que se quer ser. Admirável como conquista tecnológica, a expansão da internet ainda não encontrou os meios necessários para canalizar acima de tudo os impulsos mais generosos, que devem reger nossa difícil caminhada civilizatória.
(Aníbal Tolentino, inédito)
A TRISTEZA PERMITIDA
Se eu disser pra você que acordei triste, que foi difícil sair da cama, mesmo sabendo que o sol estava se exibindo lá fora, e o céu convidava para a farra de viver. Mesmo sabendo que havia muitas providências a tomar, acordei triste e tive preguiça de cumprir os rituais que normalmente faço, sem nem prestar atenção no que estou sentindo, como tomar banho, colocar uma roupa, ir pro computador, sair para compras e reuniões — se eu disser que foi assim, o que você me diz? Se eu lhe disser que hoje não foi um dia como os outros, que não encontrei energia nem para sentir culpa pela minha letargia, que hoje levantei devagar e tarde e que não tive vontade de nada, você vai reagir como?
Você vai dizer “te anima" e me recomendar um antidepressivo, ou vai dizer que tem gente vivendo coisas muito mais graves do que eu (mesmo desconhecendo a razão da minha tristeza), vai dizer para eu colocar uma roupa leve, ouvir uma música revigorante e voltar a ser aquela que sempre fui, velha de guerra.
Você vai fazer isso porque gosta de mim, mas também porque é mais um que não tolera a tristeza: nem a minha, nem a sua, nem a de ninguém. Tristeza é considerada uma anomalia do humor, uma doença contagiosa, que é melhor eliminar desde o primeiro sintoma. Não sorriu hoje? Medicamento. Sentiu uma vontade de chorar à toa? Gravíssimo, telefone já para o seu psiquiatra.
A verdade é que eu não acordei triste hoje, nem mesmo com uma suave melancolia, está tudo normal. Mas quando fico triste, também está tudo normal. Porque ficar triste é comum, é um sentimento tão legítimo quanto a alegria, é um registro da nossa sensibilidade, que ora gargalha em grupo, ora busca o silêncio e a solidão. Estar triste não é estar deprimido. Depressão é coisa muito mais séria, contínua e complexa. Estar triste é estar atento a si próprio, é estar desapontado com alguém, com vários ou com si mesmo, é estar um pouco cansado de certas repetições, é descobrir-se frágil num dia qualquer, sem uma razão aparente — as razões têm essa mania de serem discretas.
“Eu não sei o que meu corpo abriga
nestas noites quentes de verão
e não importa que mil raios partam
qualquer sentido vago de razão
eu ando tão down...”
Lembra da música? Cazuza ainda dizia, lá no meio dos versos, que pega mal sofrer. Pois é, pega. Melhor sair pra balada, melhor forçar um sorriso, melhor dizer que está tudo bem, melhor desamarrar a cara. “Não quero te ver triste assim", sussurrava Roberto Carlos em meio a outra música. Todos cantam a tristeza, mas poucos a enfrentam de fato. Os esforços não são para compreendê-la, e sim para disfarçá-la, sufocá-la, ela que, humilde, só quer usufruir do seu direito de existir, de assegurar o seu espaço nesta sociedade que exalta apenas o oba-oba e a verborragia, e que desconfia de quem está calado demais. Claro que é melhor ser alegre que ser triste (agora é Vinicius), mas melhor mesmo é ninguém privar você de sentir o que for. Em tempo: na maioria das vezes, é a gente mesmo que não se permite estar alguns degraus abaixo da euforia.
Tem dias que não estamos pra samba, pra rock, pra hip hop, e nem por isso devemos buscar pílulas mágicas para camuflar nossa introspecção, nem aceitar convites para festas em que nada temos para brindar. Que nos deixem quietos, que quietude é armazenamento de força e sabedoria, daqui a pouco a gente volta, a gente sempre volta, anunciando o fim de mais uma dor— até que venha a próxima, normais que somos.
Martha Medeiros
Considere os termos destacados no período abaixo.
“Tristeza é considerada uma anomalia do humor, uma doença contagiosa, que é melhor eliminar desde o primeiro sintoma.”
Pode-se afirmar que se classificam, respectivamente, como:
Ameaças globais
A mudança climática continua sendo percebida como a maior ameaça global, diz o Pew Research Center. Realizado no ano passado com mais de 27 mil pessoas em 26 países, o estudo indicou um fortalecimento dessa percepção. Em 2013, 56% viam o aquecimento global como uma grande ameaça. Em 2017, eram 63%. No ano passado, o porcentual foi de 67%. No Brasil, 72% apontaram a mudança climática como uma relevante ameaça global.
Confirma-se, assim, que o mundo está cada vez mais preocupado com a sustentabilidade do planeta, o que tem muitas consequências sociais, políticas e econômicas. Por exemplo, os governos que se mostrarem alheios ou contrários a essa preocupação estarão contrariando os sentimentos de sua própria população, além de se colocarem na contramão da história. Outro inegável efeito é que, com populações cada vez mais atentas a questões ambientais, ampliar o acesso a novos mercados exige o compromisso de melhorar as práticas ambientais. Ser indiferente ao meio ambiente é um meio de um país se isolar na esfera internacional.
Além do aquecimento global, o terrorismo foi outra grande preocupação constatada na pesquisa. Em oito países, entre eles, Rússia, França, Indonésia e Nigéria, o Estado Islâmico foi visto como o maior risco global. Também cresceu a preocupação com os ataques cibernéticos. Em quatro países, incluindo Estados Unidos e Japão, o risco cibernético foi a preocupação internacional mais citada.
No mundo inteiro, cresceu a preocupação com o poder e a influência dos Estados Unidos. Em dez países, metade ou mais das pessoas entrevistadas afirmou que o poder americano é uma grande ameaça ao seu país. Foi a maior mudança de sentimento entre as ameaças globais avaliadas. Na Alemanha, o crescimento foi de 30%; na França, de 29%; no Brasil e no México, de 26%.
O estudo revelou um dado interessante a respeito da percepção sobre o risco envolvendo a situação da economia global. Embora seja citado em muitos lugares como uma ameaça significativa, tal perigo não é visto em nenhum país como a principal ameaça. O Pew Research Center destacou que isso ocorreu mesmo naqueles países em que as economias nacionais tiveram avaliações especialmente negativas, como a Grécia e o Brasil.
Tem-se, assim, que a avaliação que a população de um país faz sobre as ameaças globais pode não ser muito objetiva. Às vezes, há perigos que as pessoas não querem ver. Tal fato mostra a importância de os governos atuarem de forma responsável, com base em dados empíricos e estudos consistentes. Nesta situação, ideologias não são um bom parâmetro para a análise de riscos.
(O Estado de S. Paulo. 17.02.2019. Adaptado)
Texto: Zap
Não faz muito que temos esta nova TV com controle remoto, mas devo dizer que se trata agora de um instrumento sem o qual eu não saberia viver. Passo os dias sentado na velha poltrona, mudando de um canal para outro — uma tarefa que antes exigia certa movimentação, mas que agora ficou muito fácil. Estou num canal, não gosto — zap, mudo para outro. Não gosto de novo — zap, mudo de novo. Eu gostaria de ganhar em dólar num mês o número de vezes que você troca de canal em uma hora, diz minha mãe. Trata-se de uma pretensão fantasiosa, mas pelo menos indica disposição para o humor, admirável nessa mulher.
Sofre, minha mãe. Sempre sofreu: infância carente, pai cruel etc. Mas o seu sofrimento aumentou muito quando meu pai a deixou. Já faz tempo; foi logo depois que nasci, e estou agora com treze anos. Uma idade em que se vê muita televisão, e em que se muda de canal constantemente, ainda que minha mãe ache isso um absurdo. Da tela, uma moça sorridente pergunta se o caro telespectador já conhece certo novo sabão em pó. Não conheço nem quero conhecer, de modo que — zap — mudo de canal. “Não me abandone, Mariana, não me abandone!” Abandono, sim. Não tenho o menor remorso, em se tratando de novelas: zap, e agora é um desenho, que eu já vi duzentas vezes, e — zap — um homem falando. Um homem, abraçado à guitarra elétrica, fala a uma entrevistadora. É um roqueiro. Aliás, é o que está dizendo, que é um roqueiro, que sempre foi e sempre será um roqueiro. Tal veemência se justifica, porque ele não parece um roqueiro. É meio velho, tem cabelos grisalhos, rugas, falta-lhe um dente. É o meu pai.
É sobre mim que fala. Você tem um filho, não tem?, pergunta a apresentadora, e ele, meio constrangido — situação pouco admissível para um roqueiro de verdade —, diz que sim, que tem um filho, só que não o vê há muito tempo. Hesita um pouco e acrescenta: você sabe, eu tinha de fazer uma opção, era a família ou o rock.
A entrevistadora, porém, insiste (é chata, ela): mas o seu filho gosta de rock? Que você saiba, seu filho gosta de rock? Ele se mexe na cadeira; o microfone, preso à desbotada camisa, roça-lhe o peito, produzindo um desagradável e bem audível rascar. Sua angústia é compreensível; aí está, num programa local e de baixíssima audiência — e ainda tem de passar pelo vexame de uma pergunta que o embaraça e à qual não sabe responder. E então ele me olha. Vocês dirão que não, que é para a câmera que ele olha; aparentemente é isso, aparentemente ele está olhando para a câmera, como lhe disseram para fazer; mas na realidade é a mim que ele olha, sabe que em algum lugar, diante de uma tevê, estou a fitar seu rosto atormentado, as lágrimas me correndo pelo rosto; e no meu olhar ele procura a resposta à pergunta da apresentadora: você gosta de rock? Você gosta de mim? Você me perdoa? — mas aí comete um erro, um engano mortal: insensivelmente, automaticamente, seus dedos começam a dedilhar as cordas da guitarra, é o vício do velho roqueiro, do qual ele não pode se livrar nunca, nunca. Seu rosto se ilumina — refletores que se acendem? — e ele vai dizer que sim, que seu filho ama o rock tanto quanto ele, mas nesse momento zap — aciono o controle remoto e ele some.
Moacyr Scliar, “Zap”, in: Os cem melhores contos brasileiros do século. Sel. de Ítalo Moriconi. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, pág. 555. Adaptado.
Já que os Kuikuro não podem mais beber a água do Rio Xingu, precisamos questionar: por quanto tempo seus peixes continuarão a alimentar as aldeias, à medida que toxinas agrícolas e industriais poluem seus afluentes ou o próprio rio é bloqueado por barragens hidrelétricas? (linhas 22 a 24).
A respeito do trecho acima, analise as afirmativas a seguir:
I. Não há no trecho pronomes relativos.
II. Na primeira oração, há um adjunto adverbial de tempo.
III. A expressão “á medida que” pode ser substituída, sem prejuízo de sentido, por “na medida em que”.
Assinale
As Boas Coisas da Vida
Rubem Braga
Uma revista mais ou menos frívola pediu a várias pessoas para dizer as “dez coisas que fazem a vida valer a pena”. Sem pensar demasiado, fiz esta pequena lista:
- Esbarrar às vezes com certas comidas da infância, por exemplo: aipim cozido, ainda quente, com melado de cana que vem numa garrafa cuja rolha é um sabugo de milho. O sabugo dará um certo gosto ao melado? Dá: gosto de infância, de tarde na fazenda.
- Tomar um banho excelente num bom hotel, vestir uma roupa confortável e sair pela primeira vez pelas ruas de uma cidade estranha, achando que ali vão acontecer coisas surpreendentes e lindas. E acontecerem.
- Quando você vai andando por um lugar e há um bate-bola, sentir que a bola vem para o seu lado e, de repente, dar um chute perfeito - e ser aplaudido pelos serventes de pedreiro.
- Ler pela primeira vez um poema realmente bom. Ou um pedaço de prosa, daqueles que dão inveja na gente e vontade de reler.
- Aquele momento em que você sente que de um velho amor ficou uma grande amizade - ou que uma grande amizade está virando, de repente, amor. - Sentir que você deixou de gostar de uma mulher que, afinal, para você, era apenas aflição de espírito e frustração da carne - essa amaldiçoada.
-Viajar, partir...
-Voltar.
- Quando se vive na Europa, voltar para Paris, quando se vive no Brasil, voltar para o Rio. - Pensar que, por pior que estejam as coisas, há sempre uma solução, a morte - o assim chamado descanso eterno.
Texto adaptado de BRAGA, R., As Boas Coisas da Vida, 1988.
Julgue o item a seguir, considerando a correção gramatical e a coerência com as ideias do texto das substituições propostas para os vocábulos e segmentos destacados.
“que” (linha 5) por no qual
Quando a Nasa começou a usar computadores para a missão __________ John Gleen orbitou a Terra pela primeira vez (1962), Katherine Johnson foi consultada para verificar os cálculos da máquina. “Se a garota diz que são bons, então estou pronto para ir”, disse o astronauta, segundo lembrou a própria Katherine. De fato, a Nasa reconhece em seu site que “não teria sido possível fazer essas coisas sem Katherine Johnson e seu amor pela matemática”.
Katherine foi uma menina curiosa e brilhante, nascida em 26 de agosto de 1918 em White Sulphur Springs (Virgínia, EUA), que aos dez anos já cursava o ensino médio. Entrou para a Universidade Estadual de West Virginia, __________ se graduou em Matemática e Francês com honras máximas em 1937, e aceitou um trabalho como professora em uma escola pública para negros. “Sempre estava cercada de gente que estava aprendendo coisas, eu adoro aprender. Você aprende se quiser”, afirmou.
A vida tomaria um novo rumo para Katherine quando, em 1952, um parente lhe disse que havia vagas na seção de computação da ala oeste (onde trabalhavam os afro-americanos) do Laboratório Langley da Naca – a agência que antecedeu a Nasa –, razão pela qual ela e seu marido decidiram se mudar para Hampton, na Virgínia.
Mulher decidida e com habilidades de liderança, Katherine não se limitou a fazer cálculos, mas pediu para participar das reuniões com os engenheiros, algo inédito para uma mulher e afro-americana, e finalmente conseguiu, __________ lhe abriu o caminho e fez com que ganhasse o respeito de seus colegas.
Eram os anos 1950 e havia leis de segregação racial nos EUA, mas a matemática garante que “não tinha tempo para isso”, lembrando o que o pai lhe ensinou: “Você é tão boa como qualquer um nesta cidade, mas não é melhor”. Katherine também não sentiu a segregação em seu trabalho. “Lá você pesquisava. Tinha uma missão e trabalhava nela”, afirmou. No entanto, quando ela começou a trabalhar com brancos, seus colegas exigiram que ela usasse uma cafeteira diferente.
Essa é uma das histórias do livro “Hidden Figures”, de Margot Lee Shetterly, __________ se baseou o filme “Estrelas Além do Tempo”, e que tirou Katherine e duas de suas companheiras, Dorothy Vaughan e Mary Jackson, do anonimato.
(Disponível em: https://www.efe.com/efe/brasil/educacao/)
Mundo de mentira
Paulo Pestana
Tem muita gente que implica com mentira, esquecendo-se de que as melhores histórias do mundo nascem delas: algumas cabeludas, outras mais inocentes, sempre invenções da mente, fruto da criatividade — ou do aperto, dependendo da situação.
Ademais, se fosse tão ruim estaria na lista das pedras que Moisés recebeu aos pés do monte Sinai, entre as 10 coisas mais feias da humanidade, todas proibidas e que levam ao inferno; ficou de fora.
A mentira não está nem entre os pecados capitais, que aliás eram ofensas bem antes de Cristo nascer, formando um rol de virtudes avessas, para controlar os instintos básicos da patuleia. Eram leis. E é preciso lembrar também que ninguém colocou a mentira entre os pecados veniais; talvez, seja por isso que o mundo minta tanto, hoje em dia.
E tudo nasceu na forma mais poética possível, com os mitos — e não vamos falar de presidentes aqui — às lendas, narrativas fantásticas que serviam para educar ou entreter. Entre tantas notícias falsas, há muitas lendas que, inclusive, explicam por que fazemos tanta festa para o ano que começa.
Os japoneses, por exemplo, contam que um velhinho, na véspera do ano-novo, não conseguiu vender os chapéus que fabricava e colocou-os na cabeça de seis estátuas de pedra; chegou em casa coberto de neve e sem um tostão. No dia seguinte, recebeu comida farta e dinheiro das próprias estátuas, para mostrar que a bondade é sempre reconhecida e recompensada.
Os brasileiros vestem roupas brancas na passagem do ano, mas poucos sabem que esta é uma tradição recente, de pouco mais de 50 anos, e que veio do candomblé, mais precisamente da cultura yorubá, com os irúnmolés’s funfun — as divindades do branco. E atenção: para eles, o regente de 2019 é Ogum, o guerreiro, orixá associado às forças armadas, ao mesmo tempo impiedoso, impaciente e amável. Ogunhê!
Mas na minha profunda ignorância eu não conhecia a lenda da Noite de São Silvestre, que marca a passagem do ano. E assim foi-me contada pelo Doutor João, culto advogado, entre suaves goles de vinho — um Quinta do Crasto Douro (sorry, periferia, diria o Ibrahim Sued).
Disse-me ele: ao ver a Virgem Maria desolada contemplando o Oceano Atlântico, São Silvestre se aproximou para consolá-la, quando ela disse que estava com saudades da Atlântida, o reino submerso por Deus, em resposta aos desafios e à soberba de seu soberano e dos pecados de seu povo.
As lágrimas da Virgem Maria — transformadas em pérolas — caíram no oceano; e uma delas deu origem à Ilha da Madeira — chamada Pérola do Atlântico, na modesta visão dos locais — ao mesmo tempo em que surgiram misteriosas luzes no céu, que se repetiriam por anos a fio; e é por isso que festejamos a chegada do ano-novo com fogos de artifício.
Aliás, agora inventaram fogo de artifício sem barulho para não incomodar os cachorros. A próxima jogada politicamente correta será lançar fogos sem luz para não perturbar as corujas buraqueiras. E isso está longe de ser lenda: é só um mundo mais chato.
Disponível em: <http://df.divirtasemais.com.br/app/noticia/mais-lei-tor/2018/12/28/noticia-mais-leitor,160970/cronica-de-paulo-pestana>
Texto III
Nero e a lira
O Brasil ficou chocado com o incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro. Só diante das chamas terríveis e do patrimônio desaparecido para sempre que alguns perceberam que nunca tinham ido ao espaço museológico agora perdido. Eu já tinha escrito o mesmo sobre os riscos da nossa Biblioteca Nacional e do seu acervo inestimável em condições de risco similar. Aqui em São Paulo, é o caso do Museu do Ipiranga, fechado há tanto tempo. Perde o público, perde a cultura e empobrecemos em um campo já abalado da memória. Até quando? O que mais precisaria queimar no Brasil, para que a gente percebesse que patrimônio é algo que se vai para sempre?
O descaso tem precedentes terríveis. Em 1978, um conjunto inestimável de quadros virou cinzas no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Patrimônio científico foi carbonizado várias vezes: a coleção do Instituto Butantã em São Paulo e do Museu de Ciências Naturais da PUC de Minas Gerais. Coleções insubstituíveis torraram por completo. O Museu da Língua Portuguesa ardeu em chamas, como também a tapeçaria de Tomie Ohtake no Memorial da América Latina: somos o país que usa cultura como material de combustão. Nenhum Nero foi indiciado, ninguém responde, nada se faz com tantos e repetidos avisos trágicos. É uma política de terra arrasada, de resultados eficazes e criminosos.
Mesmo aquilo que funciona e bem corre o risco do desamparo. A Sala São Paulo enche de orgulho os paulistas e brasileiros. A Osesp é uma joia esculpida com trabalho, talento e muito sacrifício. Manter algo do padrão da Osesp e da Sala São Paulo em um país como o Brasil é quase um milagre. A qualidade material da sala, o esforço de todos e a educação de um público fiel. Por ela passa a fina flor da música brasileira e internacional.
A cultura brasileira é assim. Muita coisa queimou, projetos sobreviveram em estado precário, e todos aguardam poderes sensíveis ao papel insubstituível da cultura na definição da cidadania. Quando eu vejo o montante do fundo partidário em comparação ao estado precário de orquestras e museus, sou percorrido por uma dor muito forte.
O que mais terá de silenciar, queimar, desaparecer ou ficar no passado até que acordemos? Quantos artistas deixarão de comunicar seu talento com uma sociedade que necessita desesperadamente de criação e sensibilidade para pensar mais alto e melhor? Alguém aqui acha coincidência que a economia mais forte da Europa, a Alemanha, também seja uma terra de forte investimento privado e público na música e nas artes? O que mais precisa desaparecer para sempre, para que governos e eleitores descubram o valor do nosso patrimônio material e imaterial?
Para nós, pessoas sem poder, resta prestigiar o que ainda existe, visitar mais nossos museus, cobrar dos políticos que elegemos há pouco e valorizar com alunos e filhos os muitos heróis de uma resistência cultural.
(Leandro Karnal. O Estado de S.Paulo. 18.11.2018. Adaptado)
"O certo a ser feito": as marcas do utilitarismo no nosso dia-a-dia
Por Carlos Henrique Cardoso
Ultimamente tenho analisado e refletido sobre a situação política do país e sua judicialização. E enxergo muito dos princípios do utilitarismo instaurados nos desejos de boa parte dos cidadãos. Enxergo o que? Como assim?
O utilitarismo é uma teoria social desenvolvida pelo jurista, economista, e filósofo Jeremy Bentham, lá pelos fins do século XVIII e início do XIX. Essa teoria também foi objeto de estudo do filósofo John Stuart Mill. Tem como princípio a busca do prazer e da felicidade, mas também satisfazer os indivíduos na coletividade, almejando benefícios, onde as leis seriam socialmente úteis e as escolhas mais corretas. Alguns testes e dinâmicas de grupo também utilizam conceitos de base utilitarista, pautadas nas melhores escolhas para cada situação posta com a finalidade de encontrarmos um bem comum a todos.
Um exemplo. No único hospital de uma pequena cidade, há apenas uma máquina de hemodiálise e quatro doentes renais. As características sociais, econômicas, profissionais, familiares, e pessoais de cada um são apresentadas e faz-se a pergunta: qual deles merece ser salvo para que possa utilizar o equipamento? Após um pequeno debate, chega-se à conclusão e as razões para que aquele felizardo seja o escolhido. Ou seja, o intuito é tomar decisões para obter o melhor resultado para todos.
O utilitarismo pode ser transposto para o nosso cotidiano e sua doutrina ética pode estar incrustada em vários fatos e decisões. Sua aplicação pode ser considerável diante de fatores que venham a ocorrer e se tornar aceitável para diversos setores sociais.
Digamos que comecem a aparecer pessoas feridas por rajadas de metralhadora nas ruas de um município e que muitos testemunharam um homem portando essa arma por aí. As autoridades partem a sua busca, mas não o encontram em lugar nenhum. E novas pessoas são baleadas. Com o rumo das investigações, familiares do suspeito são localizados. Como não informam seu paradeiro, os policiais passam a torturar seus pais, irmãos, e outros parentes a fim de obterem respostas ou pistas para sua descoberta. Dias depois, o “louco da metralhadora” é encontrado. A tortura é proibida por lei, mas sua utilização foi justificada pelo bem-estar público, ou seja, “o certo a ser feito”. Um cálculo que foi interpretado como moralmente aceitável por muitos que consideram aquela postura adequada para que mais ninguém fosse alvejado. Mesmo que jamais fosse preciso tomar tal atitude para um crime ser desvendado. Um princípio utilitarista.
E assim observo muitas atitudes manifestadas por seguimentos de nossa população. Na véspera da decisão do Supremo Tribunal Federal em conceder ou não o Habeas Corpus para o ex-presidente Lula, grupos pediam que o STF não concedesse o HC porque Lula “tinha que ser preso”, pois já havia sido condenado. Apesar do HC ser um quesito legal, o desejo de prisão parecia ser maior que a virtude da lei. O que imperava era a vontade popular, o desejo de ver alguém que aprenderam a detestar, encarcerado. Importava menos o previsto em lei e mais “a voz das ruas”.
Declarações de ministros e ex-ministros do STF engrossaram os manifestos. “Temos que ouvir a voz das ruas”, “o sentimento social”, e “o clamor popular” foram termos utilizados pelos ocupantes da Suprema Corte. Apesar das decisões judiciais não serem pautadas, obviamente, pelas vontades do povo profissionais que interpretam as leis não podem estimular aproximações demasiadas entre “as ruas” e os juízes, como termômetro a medir algum “choque térmico” entre a conclusão dos processos e os anseios sociais amparados pelas paixões e ódios. Uma linha tênue entre a lei e “o certo a ser feito”. Reflexões realizadas no calor dos acontecimentos podem influenciar atos finais moralmente justificáveis. Um receio calcado em posturas utilitaristas.
Essas condutas são visíveis quando qualificam defensores dos Direitos Humanos – que seguem resoluções ratificadas por órgãos internacionais – como “defensores de bandidos”. Isso porque “o pessoal” dos Direitos Humanos defendem medidas previstas em leis e na Constituição Federal. Curioso que muitos dos críticos se referem aos Direitos Humanos como se fosse uma ONG, uma entidade representativa, com CNPJ, sede, funcionários (“o pessoal”) que se reúnem frequentemente em torno de uma grande mesa e passam a discutir políticas de apoio a assassinos, estupradores, e ladrões – uma espécie de “Greenpeace” voltado para meliantes. Com isso, proporcionam reflexões equivocadas sobre como devem ser tratados detentos, como a justiça deve agir com acusados de crime hediondo, ou como nossos policiais devem ser protegidos em autos de resistência ou intervenções repressoras. Tudo para alcançar o bem-estar social e “o certo a ser feito”. E a lei? Que se lasque!! Atos para que o “cidadão de bem” fique protegido das mazelas sociais e que se cumpra a vontade popular acima de qualquer artigo, parágrafo, inciso, ou decreto. Enquanto não se reestrutura o nosso defasado Código Penal, podemos bradar juntos as delicias de um Estado Utilitarista.
https://www.soteroprosa.com/inicio/author/Carlos-Henrique-Cardoso. Acessado em 28/01/2019 (Com adaptação)
“Na véspera da decisão do Supremo Tribunal Federal em conceder ou não o Habeas Corpus para o expresidente Lula, grupos pediam que o STF não concedesse o HC por que Lula “tinha que ser preso”, pois já havia sido condenado".
Julgue as afirmativas a seguir e assinale a única alternativa CORRETA sobre o emprego do vocábulo em negrito no excerto acima.
I- Ao se substituir o vocábulo em destaque pela conjunção porque, modifica-se o sentido e torna-se o excerto gramaticalmente correto.
II- O pronome relativo, precedido de preposição, empregado no excerto acima, expressa a ideia de que Lula tinha que ser preso por causa do Habeas Corpus.
III- Altera-se o sentido, mas mantém-se a correção gramatical ao se substituir o vocábulo em negrito pela forma “pelo qual”, no excerto acima.
Literatura no cárcere
Desde 2013, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) autorizou a remição da pena pela leitura, 5.547 detentos foram beneficiados por esse projeto no Brasil. É um número baixo, se comparado com as quase 700 mil pessoas privadas de liberdade em todo o país.
A recomendação do CNJ determina que, a cada livro lido, é possível reduzir quatro dias da pena. Para isso, o leitor deve escrever um resumo da obra que deve ser aprovado por um parecerista. Esses documentos seguem para o juiz responsável, que julga o pedido de remição.
Medir os benefícios dessa proposta tem feito florescer debates acalorados entre os que veem na leitura ganhos efetivos para a reintegração do indivíduo à sociedade e os que a avaliam como um privilégio concedido a pessoas que, de algum modo, causaram danos à população. Sem entrar no mérito dessa discussão, é fato que, dentro ou fora da prisão, as benesses da leitura são muitas e difíceis de mensurar.
Uma pesquisa feita em 2017 pela editora Companhia das Letras, que em parceria com a Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel (Funap) subsidia um projeto de clubes de leitura e remição de pena, indicou que os ganhos são mais concretos do que se pode imaginar.
Durante um ano, 177 detentos se reuniram mensalmente para discutir uma obra selecionada pela curadoria do projeto.
Quando perguntados sobre as eventuais mudanças percebidas em si próprios, a resposta mais frequente foi que os envolvidos conseguiram perceber uma “ampliação de conhecimentos”. Em segundo, que se sentiam mais motivados “para traçar planos para o futuro”. Na sequência, aparecem motivações como “capacidade de reflexão” e de “expressar sentimentos”, possibilidade de “dizer o que pensa”, “maior criatividade” e, por último, “maior criticidade”.
Por qualquer prisma que se procure observar, esses ganhos já seriam significativos, pois no ambiente prisional revelam uma extraordinária mudança na chave da autoestima.
(Vanessa Ferrari, Rafaela Deiab e Pedro Schwarcz. Folha de S. Paulo, 25.06.18. Adaptado)
Considerando a correção gramatical e a coerência das substituições propostas para vocábulos e trechos destacados do texto, julgue o item.
“que” (linha 19) por onde.
“Há um país onde, diferentemente do que ocorre no Brasil, a justiça processa ex-presidentes conservadores, os condena por desvio de verbas e manda-os para a prisão.” (linhas 1 a 3)
A respeito do período acima, analise as afirmativas a seguir:
I. Há, no período, dois pronomes relativos.
II. Não há pronome demonstrativo no período.
III. Não há paralelismo entre as opções de colocação pronominal nas duas últimas orações.
Assinale
TEXTO 1
Os camelos do Islã
Por Reinaldo José Lopes
Quando a gente pensa em eventos históricos, precisa sempre levar em conta um termo meio técnico, meio filosófico, sem o qual é muito fácil cometer escorregadas feias. O termo é contingência. Em outras palavras, o papel do que poderíamos chamar de coincidência ou acaso em mover as engrenagens da história, e o fato de que os eventos históricos são caóticos, quase que no sentido físico do termo: alterações minúsculas podem conduzir a efeitos gigantes.
Por que estou me saindo com essa conversa mole? Bem, porque escrevi não faz muito tempo uma reportagem para esta Folha contando como uma série de alterações climáticas ligadas a erupções de vulcões a partir do século 6º d.C. parecem ter contribuído para acabar com o mundo antigo e “criar” a Idade Média.
No texto original, acabou não cabendo um detalhe absolutamente fascinante: segundo os modelos computacionais climáticos usados pelos pesquisadores suíços que assinam o estudo, um dos efeitos do frio intenso trazido pela erupção vulcânica pode ter sido um considerável aumento da umidade — chuva, portanto — na Arábia. E daí, perguntará você?
Bom, mais chuva = mais grama para os camelos e cavalos comerem. Mais camelos e cavalos = mais poderio militar para as tribos árabes. As quais, no período de que estamos falando, tinham acabado de adotar uma nova e empolgante ideologia religiosa trazida por um certo profeta chamado Maomé — uma ideologia que estava “pronta para exportação”, digamos assim.
Aí a gente cai de novo na tal da contingência. A expansão árabe certamente não teria acontecido sem o surgimento do Islã — mas talvez não fosse viável sem aquele monte de camelos e cavalos que só nasceram graças a algumas erupções vulcânicas. Fatores assim interagem o tempo todo, e dificilmente a gente tem clareza suficiente para entendê-los na hora em que estão ocorrendo, ou mesmo muitos séculos depois.
In: http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2016/03/08/os-camelos-do-isla/ Acesso em: 30 set. 2016
TEXTO 1
Os camelos do Islã
Por Reinaldo José Lopes
Quando a gente pensa em eventos históricos, precisa sempre levar em conta um termo meio técnico, meio filosófico, sem o qual é muito fácil cometer escorregadas feias. O termo é contingência. Em outras palavras, o papel do que poderíamos chamar de coincidência ou acaso em mover as engrenagens da história, e o fato de que os eventos históricos são caóticos, quase que no sentido físico do termo: alterações minúsculas podem conduzir a efeitos gigantes.
Por que estou me saindo com essa conversa mole? Bem, porque escrevi não faz muito tempo uma reportagem para esta Folha contando como uma série de alterações climáticas ligadas a erupções de vulcões a partir do século 6º d.C. parecem ter contribuído para acabar com o mundo antigo e “criar” a Idade Média.
No texto original, acabou não cabendo um detalhe absolutamente fascinante: segundo os modelos computacionais climáticos usados pelos pesquisadores suíços que assinam o estudo, um dos efeitos do frio intenso trazido pela erupção vulcânica pode ter sido um considerável aumento da umidade — chuva, portanto — na Arábia. E daí, perguntará você?
Bom, mais chuva = mais grama para os camelos e cavalos comerem. Mais camelos e cavalos = mais poderio militar para as tribos árabes. As quais, no período de que estamos falando, tinham acabado de adotar uma nova e empolgante ideologia religiosa trazida por um certo profeta chamado Maomé — uma ideologia que estava “pronta para exportação”, digamos assim.
Aí a gente cai de novo na tal da contingência. A expansão árabe certamente não teria acontecido sem o surgimento do Islã — mas talvez não fosse viável sem aquele monte de camelos e cavalos que só nasceram graças a algumas erupções vulcânicas. Fatores assim interagem o tempo todo, e dificilmente a gente tem clareza suficiente para entendê-los na hora em que estão ocorrendo, ou mesmo muitos séculos depois.
In: http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2016/03/08/os-camelos-do-isla/ Acesso em: 30 set. 2016
Considerando, ainda, outros recursos expressivos que concorrem para a compreensão do Texto 1, analise as afirmativas a seguir.
1) No trecho: “alterações minúsculas podem conduzir a efeitos gigantes” (1º parágrafo), a seleção vocabular conseguiu criar um expressivo efeito de contraste.
2) No trecho: “um dos efeitos do frio intenso (...) pode ter sido um considerável aumento da umidade — chuva, portanto — na Arábia.”, o segmento entre travessões introduz uma ideia de comparação.
3) Em: “Mais camelos e cavalos = mais poderio militar para as tribos árabes. As quais, no período (...)”, a opção de iniciar novo período por um pronome relativo (destacado) promoveu uma desarticulação que comprometeu a compreensão.
4) No trecho: “uma ideologia que estava ‘pronta para exportação.’, digamos assim” (4º parágrafo), o autor alude com certa ironia a um conhecimento partilhado com o leitor.
Estão corretas, apenas: