“Superei um tabu”
O ator Lázaro Ramos, 43, conta como lutou para falar sobre paternidade de forma franca
e aberta
Depoimento dado a Amanda Péchy
Quando soube que seria pai, aos 32 anos, fui racional. Dizia estar emocionado, mas, na verdade, a ficha só veio a cair no dia em que João nasceu. Aí, sim,
aflorou um turbilhão de sentimentos misturados – medos, inseguranças, incertezas. No meio disso, senti um amor gigantesco por um desconhecido, como nunca
antes. Me vi também isolado e perdido no novo papel. Cheguei a me afastar de
amigos, uma vez que nossas realidades passaram a seguir cursos tão diferentes.
Até com aqueles que eram pais, eu não conseguia conversar em profundidade.
Era como uma espécie de tabu. Sou integrante de uma geração que começa a
discutir a masculinidade e poderia estar mais maduro quando apareceram em minha vida o João, hoje com 11 anos, e a Maria, de 7. O fato é que essa ainda é uma
trilha difícil, sobre a qual pesa um machismo, às vezes nas entrelinhas, que resiste
ao tempo. Sensibilidade e cuidados, em pleno século XXI e com tantos avanços,
parecem ainda não ser temas do universo masculino.
Acabou que minha profissão foi decisiva para trazer o assunto à tona, de
forma franca e direta. Queria há tempos tratar do tema e aconteceu com o filme Papai É Pop, do do Caíto Ortiz, que recém estreou nos cinemas. Nunca havia lido
o livro no qual se baseia o roteiro, obra que levanta uma ampla reflexão para nós,
homens, sobre paternidade. Tinha um temor de repetir erros que observava em
meu próprio pai, como não abraçar, beijar, não deixar os sentimentos à tona. Queria ser ativo, dar banho, trocar fralda, estar na área, mesmo que significasse uma
reviravolta. Na geração dos meus pais, como diz o filme, mãe era peito e o progenitor, bolso. Aprendi que não precisa ser desse jeito, nem deve, e fui conquistando
meu espaço, me entendendo nessa rotina. Uso a palavra conquistar porque, tanto
eu como minha mulher (a atriz Taís Araújo), viemos de famílias de mulheres fortes.
E nesse cenário fui demarcando o meu território.
Ter filhos muda a vida de qualquer casal, e conosco não foi diferente.
Olhando sob a perspectiva de hoje, a criação deles nos aproximou porque fomos
estabelecendo uma saudável divisão de funções e, por tabela, descobrimos algo
essencial: nossos conceitos e valores nesse campo eram semelhantes. Foi uma
revelação, já que, antes deles, não tínhamos ideia de como seríamos como pais.
Selamos, logo de saída, acordos primordiais sobre o dia a dia – saúde, alimentação, educação –, sem discordâncias fundamentais no que importa. Claro que há
momentos de tensão, mas temos conseguido contorná-los com boa dose de diálogo. Aprendo também com gente de quem, graças à paternidade, me aproximei
nestes anos. Tenho vínculos com pais de amigos dos dois, mas a conversa se
prolonga mais com as mães, e eu adoro isso.
Engraçado observar que a experiência que tive com cada um foi tão distinta. Com o João, assimilei tudo em tempo real, me transformando por força das
circunstâncias. Quando Taís engravidou outra vez, pensei: “Ótimo, já sou perito”.
Aí Maria nasceu, e fiquei perdido de novo. Ser pai de menina era um admirável
mundo que se abria. Tinha medo de cometer um erro diante de um ser que, além
de pequenino, era de outro sexo, um terreno ainda mais desconhecido. Na pandemia, com todos sob o mesmo teto, me vi tendo de lidar com meus demônios: impaciência e até falta de repertório para conversar com eles estavam no rol. Mas a
convivência intensiva também foi boa, produtiva, e me fez melhor. Em Papai É
Pop, identifico-me com meu personagem Tom porque vejo nele um genuíno desejo
de ser bom pai e, ao mesmo tempo, aquele medo de não reunir qualidades suficientes. Ele consegue ser um espelho para vários homens. Assim como o personagem, hoje levo a paternidade com leveza, e falar sobre ela deixou de ser um tabu.
Fonte: Revista Veja, ed. 2805, ano 55, n. 35, p. 78, 07 set. 2022.