Texto CB1A1
Percebe-se no Brasil um persistente discurso de negativação da
atividade fiscal, do Estado fiscal, ainda marcado por figuras arcaicas como a do
“leão” do imposto de renda, a tão repetida expressão “carga tributária”, entre
outras. Essa “demonização” do fisco em muito se justifica por uma
deslegitimação do Estado brasileiro como um todo e, na seara tributária,
especialmente por não sentir retorno a população em relação ao quanto é
onerada. Frise-se, porém, que essa imagem negativa é, às vezes, patrocinada
por quem ideologicamente julga desnecessária uma tributação nas proporções
em que o Estado brasileiro vem aplicando.
Nesse cenário, percebe-se, com linhas mais nítidas, um fenômeno que
acompanha toda a história tributária do homem: o da oposição social aos
tributos, entendida aqui não como uma predisposição “natural”, “inata” dos
contribuintes, mas como todo desvio que afasta o contribuinte do cumprimento
de uma obrigação tributária, não sendo naturais as causas que o levam a
resistir. O contribuinte resiste diante da cobrança de uma tributação ilícita;
diante da cobrança ou da instituição de um tributo por um governo ou
legislador ilegítimo; diante da possibilidade de se praticar uma conduta
tributária menos onerosa, tendo o contribuinte a liberdade e o direito de resistir
à tributação mais severa; e, no caso dos crimes contra a ordem tributária,
quando apenas há a vontade livre e consciente de cometer o crime.
A resistência fiscal, assim, tem um conteúdo que ora se distancia
dos conceitos clássicos de direito de resistência (objeção de consciência,
desobediência civil, greve política, direito de revolta, entre outros), ora
se aproxima desses mesmos conceitos. É quando se veem na literatura,
especialmente na estrangeira, expressões como “direito de resistência
fiscal”, “objeção fiscal”, “desobediência fiscal”, “greve fiscal”, “revolta
fiscal”, “rebelião fiscal”. Entre outras, tais expressões relacionam-se
com os conceitos de “direito de resistência” e de “resistência fiscal”,
tomados como dois gêneros em que algumas espécies coincidem, mas
que também possuem pontos incomunicáveis.
Com efeito, dado que seja gênero de múltiplas espécies, podem
ser elencadas como modalidades de resistência fiscal: a) a resistência à
cobrança de tributos ilícitos/inconstitucionais, que tem total amparo no
princípio constitucional da legalidade tributária, tendo os contribuintes
direito de resistir a essa tributação ilegal/inconstitucional; b) a
resistência à cobrança ou à instituição de tributos que, mesmo
amparados na lei e na Constituição Federal de 1988, são, porém,
rechaçados pela sociedade, considerados ilegítimos pela população, ou
rechaçados por camada social que se veja prejudicada com sua
instituição; c) o crime tributário, que não passa de uma ofensa
deliberada à lei; e d) a resistência lícita, na qual se opta por alternativa
legal menos onerosa ou pela abstenção de conduta tributável.
A história mostrou que a resistência fiscal, por mais que pareça
natural e inevitável a toda realidade tributária, teve proporções menores
em regimes considerados mais democráticos, uma vez que os abusos e o
arbítrio das autoridades foram, em muitas sociedades, as principais
causas para a recusa ao pagamento dos tributos. Verifica-se, assim, uma
razão inversamente proporcional entre o quantum democrático de um
regime político e a resistência social aos tributos por ele instituídos.
Assim, a democracia participativa, em superação aos modelos clássicos
e insuficientes da representação ou do exercício semidireto do poder,
aponta para uma “relegitimação” do Estado fiscal, na qual a sociedade
passa a tomar parte de espaços de decisões políticas.
A sociedade contribuinte deve-se preocupar, portanto, no
caminho a ser trilhado em direção a uma educação (para a cidadania)
fiscal, não apenas com a “carga tributária”, mas com o destino das
arrecadações e com os gastos públicos. Nesse sentido, já existem alguns
avanços, como o da Lei n.º 12.741/2012, que obrigou, como direito
básico dos consumidores, informarem-se os tributos incidentes e
repassados no preço dos produtos, e os programas de educação fiscal
ligados aos órgãos fiscais da União, dos estados e das capitais. Muito
ainda, porém, estão alheios os cidadãos acerca do que o Estado arrecada e, mais ainda, de como gastam os governantes tais recursos, o que pode
aumentar os índices de resistência fiscal na sociedade brasileira.
Isaac Rodrigues Cunha. Resistência fiscal, democracia e educação tributária: fundamentos para uma
fiscalidade democrático-participativa por meio de uma “pedagogia fiscal”. Universidade Federal do Ceará,
Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito, Fortaleza, 2017 (com adaptações)