Passagem pela adolescência
"Filho criado, trabalho redobrado." Esse conhecido
ditado popular ganha sentido quando chega a
adolescência. Nessa fase, o filho já não precisa dos
cuidados que os pais dedicam à criança, tão dependente.
Mas, por outro lado, o que ele ganha de liberdade para
viver a própria vida resulta em diversas e sérias
preocupações aos pais. Temos a tendência a considerar a
adolescência mais problemática para os pais do que para
os filhos. É que, como eles já gozam de liberdade para sair,
festejar e comemorar sempre que possível com colegas e
amigos de mesma idade e estão sempre prontos a isso,
parece que a vida deles é uma eterna festa. Mas vamos
com calma porque não é bem assim.
Se a vida com os filhos adolescentes, que alguns
teimam em considerar um fato aborrecedor, é complexa e
delicada, a vida deles também o é. Na verdade, o
fenômeno da adolescência, principalmente no mundo
contemporâneo, é bem mais complicado de ser vivido
pelos próprios jovens do que por seus pais. Vejamos dois
motivos importantes.
Em primeiro lugar, deixar de ser criança é se defrontar
com inúmeros problemas da vida que, antes, pareciam não
existir: eles permaneciam camuflados ou ignorados porque
eram da responsabilidade só dos pais. Hoje, esse quadro é
mais agudo ainda, já que muitos pais escolheram tutelar
integralmente a vida dos filhos por muito mais tempo.
Quando o filho, ainda na infância, enfrenta dissabores
na convivência com colegas ou pena para construir
relações na escola, quando se afasta das dificuldades que
surgem na vida escolar - sua primeira e exclusiva
responsabilidade -, quando se envolve em conflitos,
comete erros, não dá conta do recado etc., os pais logo se
colocam em cena. Dessa forma, poupam o filho de
enfrentar seus problemas no presente, é claro, mas
também passam a ideia de que eles não existem por muito
mais tempo.
É bom lembrar que a escola - no ciclo fundamental -
deveria ser a primeira grande batalha da vida que o filho
teria de enfrentar sozinho, apenas com seus recursos,
como experiência de aprender a se conhecer, a viver em
comunidade e a usar seu potencial com disciplina para dar
conta de dar os passos com suas próprias pernas.
Em segundo lugar, o contexto sociocultural globalizado
atual, com ideais como consumo, felicidade e juventude
eterna, por exemplo, compromete de largada o processo
de amadurecimento típico da adolescência, que exige
certa dose de solidão para a estruturação de tantas
vivências e, principalmente, interlocução. E com quem os
adolescentes contam para conversar?
Eles precisam, nessa época de passagem para a vida
adulta, de pessoas dispostas a assumir o lugar da
maturidade e da experiência com olhar crítico sobre as
questões existenciais e da vida em sociedade para
estabelecer com eles um diálogo interrogador. Várias
pesquisas já mostraram que os jovens dão grande valor
aos pais e aos professores em suas vidas. Entretanto,
parece que estamos muito mais comprometidos com a
juventude do que eles mesmos.
Quem leva a sério questões importantes para eles em
temas como política, sexualidade, drogas, ética, depressão
e suicídio, vida em família, vida escolar, violência, relações
amorosas e fidelidade, racismo, trabalho etc.? Quando
digo levar a sério me refiro a considerar o que eles dizem e
dialogar com propriedade, e não com moralismo ou com
excesso de jovialidade. E, desse mal, padecem muitos pais
e professores que com eles convivem.
Os adolescentes não conseguem desfrutar da solidão
necessária nessa época da vida, mas parece que se
encontram sozinhos na aventura de aprender a se
tornarem adultos. Bem que merecem nossa companhia,
não?
SAYÃO, Rosely. “As melhores crônicas do Brasil”. In
cronicasbrasil.blogspot.com/search/label/Adolescência.