A doçura como virtude
Rosely Sayao
Muita gente já observou e comentou a respeito
do clima tenso e até violento dos comentários na
internet. Um xinga de cá, outro devolve num tom
acima de lá. Um texto opinativo suscita desafetos
e serve de motivo para ataques a quem o escreveu.
Uma posição política não partidária dificilmente
passa ilesa, e assim por diante.
Acontece que esse clima duro, agressivo e hostil
que encontramos na rede tem se manifestado também
nos relacionamentos interpessoais na realidade.
Em muitas empresas, funcionários reclamam da
maneira áspera com que são tratados por colegas
e chefes, e também dos gritos que ouvem quando
cometem alguma falha ou deslize. Nunca se soube
de tantos gritos, palavrões e choros em ambientes
organizacionais.
Nos relacionamentos impessoais, que ocorrem
nos espaços públicos entre pessoas que não se
conhecem, acontece a mesma coisa. O trânsito,
talvez, seja o exemplo mais didático sobre tal clima.
Até parece que motoristas e pedestres são inimigos
entre si e uns dos outros e, em estado de guerra,
andam sempre armados e prontos para rebater o que
consideram desaforo. Uma única barbeiragem ou
indecisão é suficiente para provocar uma saraivada
de impropérios.
Os relacionamentos pessoais e afetivos também
têm sofrido dessa dureza na convivência: amigos
se destratam por motivos banais e demoram para
perdoar uns aos outros; casais, quando enfrentam
conflitos e desavenças, perdem o controle de seus
impulsos e usam tom e palavras que provocam
intenso sofrimentos a ambos.
E nas famílias ,claro, isso se repete. Muitas mães
e pais, que vivem declarando amor incondicional aos
filhos, quando precisam usar a firmeza para dar uma
bronca, chamar a atenção ou mesmo cobrar algo deles,
perdem a delicadeza e se tornam demasiadamente
ásperos. Entre as crianças percebemos com clareza o
resultado dessas lições que elas têm aprendido com
os adultos: à medida que crescem, cresce também
a hostilidade que manifestam a seus pares na
convivência. Tem faltado doçura nos relacionamentos
interpessoais e no trato com as crianças.
A doçura é uma virtude. Ela, portanto, pode – e
deve – ser ensinada. Não é grande, porém, o número
de pais que se ocupam com os ensinamentos de
virtudes a seus filhos. Muitas, hoje, são confundidas
com fraqueza e, por esse motivo, muitos pais hesitam
em ensiná-las aos filhos. A própria doçura é uma
delas! Já ouvi um pai reclamar com o filho de pouco
mais de nove anos por ele não ter respondido em tom
agressivo a uma provocação de um colega, dizendo:
“Você tem sangue de barata!”.
É possível ensinar o que for preciso aos filhos com
doçura. Mesmo em situações estressantes – quando
os filhos desobedecem, transgridem, agridem,
desrespeitam, fazem manha, birra e tudo o mais que
eles sabem muito bem fazer – é possível ter e manter
a calma, o que possibilita que o que for preciso ser
dito seja feito com suavidade e doçura. Mesmo os
pais que se identificam como “muito chatos” com os
filhos ou bem rigorosos na educação que praticam
podem manifestar ternura em seus atos.
As reclamações sobre os estilos dos
relacionamentos nesse mundo são tantas, que
muitos pais tentam proteger seus filhos, colocando-os
em verdadeiras “redomas” que, no entanto, se
arrebentam quando os filhos chegam à adolescência.
Talvez seja mais efetivo se esforçarem, com o uso
e o ensinamento das virtudes – hoje, da doçura em
especial – para que essa realidade mude.
Adaptado de http://www1.folha.uol.com.br/colunas/roselysayao/2015/02/1590810-