Leia o texto a seguir e responda a questão.
A violência que mais vitima mulheres no Brasil ocorre dentro das residências, praticada pelas mãos da
pessoa com quem elas escolheram viver. Pesquisa realizada pelo Data Senado no ano passado aponta
que uma em cada cinco mulheres brasileiras já foi vítima de agressão e, entre elas, 73% foram agredidas
por marido, companheiro, namorado ou algum homem com quem já tiveram relacionamento. Foi apenas
há dez anos, porém, que a violência praticada dentro de casa – por pessoas da própria família – passou a
ser reconhecida como crime. Uma década após a promulgação da Lei Maria da Penha, o Brasil comemora
o fato de ter uma das leis de proteção da mulher mais avançadas do mundo, que reconhece como violência
não apenas as agressões físicas, mas também a violência física e moral. Falta de estrutura pública para
realizar o atendimento às mulheres, o medo de denunciar e a falta de conhecimento das questões de gênero por parte do sistema jurídico são considerados os principais entraves para a efetivação da lei.
“É a primeira legislação que fala efetivamente de violência de gênero no Brasil. Antes disso, em pleno
século 21, não existia previsão legal de reconhecimento dos direitos humanos das mulheres e principalmente destinada à proteção daquelas submetidas à violência. Não existia diferenciação entre as demais
políticas públicas que combatem violência e as violências de gênero”, opina a promotora de Justiça Mariana Seifert Bazzo, coordenadora do Núcleo de Promoção da Igualdade de Gênero (Nupige). Uma das
mais importantes determinações desta legislação é a possibilidade de pedir uma medida protetiva judicial
que ordena o afastamento imediato do homem agressor. “Antes da lei, a mulher agredida continuava à
mercê do responsável pela violência”, comenta.
Segundo dados consolidados pelo Nupige, foram registrados no Estado 17.639 casos de violência
doméstica contra a mulher entre o segundo semestre de 2014 e o primeiro de 2015. Além disso, comunicaram-se à instituição 187 feminicídios ocorridos entre 10 de março de 2015 (quando a Lei do Feminicídio
entrou em vigor) e 29 de julho de 2016. O feminicídio, segundo a promotora, é o fim de um processo que
pode durar anos e submeter a mulher a torturas físicas e psicológicas. Por isso, ela reforça que um dos
avanços trazidos pela lei é o reconhecimento das violências que antecipam a prática das graves agressões,
como a violência psicológica e agressões que não caracterizam tentativa de homicídio. “Atualmente essas
condutas são consideradas crimes, mas antes da lei eram entendidas como episódios de menor importância. A violência que a mulher sofre dentro de casa não é um irrelevante penal, é um crime gravíssimo
que toda a sociedade tem o dever de combater”, diz, lembrando que 80% dos casos de violência praticada
contra as mulheres ocorrem dentro de casa. “As mulheres são assassinadas por pessoas conhecidas”,
lamenta.
Apesar da Lei Maria da Penha ser considerada avançada em relação ao resto do mundo, a promotora
explica que muitas mulheres ainda temem buscar proteção. A pesquisa do Data Senado mostra que as
vítimas que optaram por não denunciar alegaram, como principais motivos: a preocupação com a criação
dos filhos (24%), o medo de vingança do agressor (21%) e acreditar que seria a última vez (16%). A crença
na impunidade do agressor e a vergonha da agressão foram citadas por 10% e 7%, respectivamente. “Elas
não denunciam porque tentam refazer a relação afetiva com a pessoa com quem têm filhos e também sentem medo do agressor, temem que fiquem ainda mais perigosos, mas a lei tem desconstruído essa ideia.
As mulheres estão entendendo que não vão perder a casa, a guarda dos filhos ou bens se denunciarem”,
avalia.
Apesar da violência doméstica ocorrer em todas as classes sociais, Mariana Seifert Bazzo pontua que
nas classes mais altas o constrangimento de denunciar é maior. “Um caso como o da Luiza Brunet, que denunciou na mídia ter sido agredida pelo marido, jamais seria de conhecimento público há um tempo atrás,
porque a sociedade tende a culpabilizar a mulher pela violência sofrida. Por isso defendo que a aplicação
da lei deve ser um comprometimento de todos, não é mera briga de marido e mulher”, lamenta.
Outro motivo de preocupação é a perpetuação da violência através das gerações. “A maioria das
agressões é presenciada por filhos, ainda crianças, que podem começar a achar a violência natural. É um
problema social que afeta toda a infância e juventude”, denuncia. Para mudar essa realidade, a promotora
afirma que são necessários agentes públicos sensibilizados e capazes de atender rapidamente as demandas das vítimas, com encaminhamento para exames de lesão corporal, agilidade na medida protetiva e
rápida intimação do agressor. “Para isso, é necessário orçamento e mobilização do poder público. Muitas
políticas públicas ainda não foram realizadas para garantir a implementação da lei, como número suficiente
de promotorias e delegacias especializadas. A violência contra a mulher tem um aspecto cultural, por isso
a desconstrução dessa cultura é importante”, pede.
(Adaptado de: AVANSINI, C. Combate à violência doméstica é dever de toda a sociedade. Folha de Londrina. 21 ago. 2016.
Reportagem: Problema Social. p.6.)