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A REDENÇÃO DAS MALDITAS.
As usinas nucleares podem ser a solução para um mundo poluído que precisa de energia limpa, mas, se quiserem continuar a existir, elas terão de se reinventar.
Trinta e cinco anos depois do maior acidente nuclear da história, na cidade de Chemobyl, na Ucrânia, então parte da União Soviética, seus impactos ainda são sentidos. Em abril de 1986, uma sucessão de falhas técnicas e erros humanos resultou na explosão de um reator na usina, que acabou por espalhar radiação pela região, ameaçando toda a Europa. Parcialmente ocultado pelas autoridades soviéticas à época, o
vazamento poderia ter sido muito pior se um grupo de
trabalhadores locais não tivesse sacrificado a saúde - e em muitos casos a própria vida - para isolar o reator. Apesar disso, uma área de 2600 quilômetros quadrados, mais que o dobro da
cidade do Rio de Janeiro, continua inabitável. No entanto,
mesmo à sombra deste caso - e de outro desastre igualmente
grave ocorrido em Fukushima, no Japão, dez anos atrás -, as
usinas nucleares ainda pulsam: respondem atualmente por
cerca de 10% da eletricidade do planeta, suprindo lares,
escritórios, hospitais e fábricas em diversas partes do mundo.
São tidas como uma fonte energética que confere estabilidade à
malha elétrica, evitando os chamados apagões.
As usinas nucleares são como grandes chaleiras que
produzem vapor de água e, assim, movimentam turbinas para
gerar eletricidade. O calor, no entanto, não vem do fogo, mas da
fissão controlada de átonos de urânio. Existem hoje 440 reatores
em funcionamento em 32 países, incluindo o Brasil. China e Índia
pretendem construir novos reatores, assim como Estados Unidos, Reino Unido e Finlândia. A ascensão de fontes alternativas, como as energias eólica e solar, ampliou o leque de
opções, mas as usinas nucleares continuam sendo, para muitos
países, sinônimo de energia limpa, já que não emitem gases de
efeito estufa. Segundo a Agência Internacional de Energia, os
reatores atômicos evitaram, nos últimos cinquenta anos, a
descarga de 60 gigatoneladas de CO2 na atmosfera, o que
talvez justifique o posicionamento da França quanto às usinas
nucleares, ora neutro, ora a favor: o país é o segundo maior
gerador de eletricidade a partir delas, atrás apenas dos Estados
Unidos.
Os detratores das usinas nucleares costumam apontar o
risco sempre presente de contaminação tanto por acidente
quanto pelo descarte de combustível, capazes de provocar
incontáveis mortes. Os números, porém, dizem o contrário:
segundo levantamentos recentes, o carvão e o petróleo são
responsáveis, respectivamente, por 24,6 e 38,4 mortes por
terawatt de energia fornecida, enquanto a energia nuclear teria
provocado 0,07 morte por terawatt - incluindo na conta as
tragédias de Chernobyl e Fukushima. Já para o lixo atômico, um
subproduto inevitável da operação, existem rigorosas regras de
estocagem e reciclagem que têm funcionado a contento.
Uma alternativa às grandes usinas, que custam caro,
levam tempo para ser construídas e exigem rigorosa
manutenção, seriam os small modular reactors, reatores
modulares pequenos, quase totalmente automatizados, sem
necessidade de armazenamento externo e transporte de lixo
atômico. Trata-se de uma opção que tem atraído alguns dos
mais prestigiados cérebros do planeta. Hoje, a empresa TerraPower - que tem Bill Gates, fundador da Microsoft, como
presidente do conselho - está desenvolvendo um dos pequenos
reatores mais avançados, capaz de alimentar a rede de uma
cidade de 200000 habitantes.
Por aqui, as usinas de Angra | e Il, no Estado do Rio de: Janeiro, geram cerca 3% de energia elétrica consumida no Brasil. A construção de Angra Ill foi interrompida em 2015 e ainda aguarda investimentos para ser finalizada. Segundo Leonam dos Santos Guimarães, presidente da Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras, as instalações de Angra Ill estão preservadas, faltando apenas 40% para sua conclusão. “Não dá para pensar em um mundo descarbonizado sem energia nuclear”, disse o executivo a VEJA, corroborando a opinião de outros especialistas. O Brasil ainda demandará muita energia para crescer e, em algum nível, dependerá das usinas nucleares, sejam elas pequenas ou grandes. Implementá-las de forma segura será o enorme desafio.
Fonte: VEJA,14 DE ABRIL,2021.