Questões de Concurso
Comentadas sobre uso dos dois-pontos em português
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Texto CBIA2-I
Nossos ancestrais dedicaram muito tempo e esforço a tentar descobrir as regras que governam o mundo natural. Mas a ciência moderna difere de todas as tradições de conhecimento anteriores em três aspectos cruciais: a disposição para admitir ignorância, o lugar central da observação e da matemática e a aquisição de novas capacidades.
A Revolução Científica não foi uma revolução do conhecimento. Foi, acima de tudo, uma revolução da ignorância. A grande descoberta que deu início à Revolução Científica foi a de que os humanos não têm as respostas para suas perguntas mais importantes. Tradições de conhecimento pré-modernas como o islamismo, o cristianismo, o budismo e o confucionismo afirmavam que tudo que é importante saber a respeito do mundo já era conhecido. As antigas tradições de conhecimento só admitiam dois tipos de ignorância. Em primeiro lugar, um indivíduo podia ignorar algo importante. Para obter o conhecimento necessário, tudo que ele precisava fazer era perguntar a alguém mais sábio. Não havia necessidade de descobrir algo que qualquer pessoa já não soubesse. Em segundo lugar, uma tradição inteira podia ignorar coisas sem importância. Por definição, o que quer que os grandes deuses ou os sábios do passado não tenham se dado ao trabalho de nos contar não era importante.
[...]
A ciência de nossos dias é uma tradição de conhecimento peculiar, visto que admite abertamente a ignorância coletiva a respeito da maioria das questões importantes. Darwin nunca afirmou ser “o último dos biólogos” e ter decifrado o enigma da vida de uma vez por todas. Depois de séculos de pesquisas científicas, os biólogos admitem que ainda não têm uma boa explicação para como o cérebro gera consciência, por exemplo. Os físicos admitem que não sabem o que causou o Big Bang, que não sabem como conciliar a mecânica quântica com a Teoria Geral da Relatividade.
[...]
A disposição para admitir ignorância tornou a ciência moderna mais dinâmica, versátil e indagadora do que todas as tradições de conhecimento anteriores. Isso expandiu enormemente nossa capacidade de entender como o mundo funciona e nossa habilidade de inventar novas tecnologias, mas nos coloca diante de um problema sério que a maioria dos nossos ancestrais não precisou enfrentar. Nosso pressuposto atual de que não sabemos tudo e de que até mesmo o conhecimento que temos é provisório se estende aos mitos partilhados que possibilitam que milhões de estranhos cooperem de maneira eficaz. Se as evidências mostrarem que muitos desses mitos são duvidosos, como manter a sociedade unida? Como fazer com que as comunidades, os países e o sistema internacional funcionem?
[...]
Uma das coisas que tornaram possível que as ordens sociais modernas se mantivessem coesas é a disseminação de uma crença quase religiosa na tecnologia e nos métodos da pesquisa científica, que, em certa medida, substituiu a crença em verdades absolutas.
Yuval Noah Harari. Sapiens: uma breve história da humanidade. 26.º ed.
Porto Alegre, RS: L&PM, 2017,p. 261-263 (comadaptações).
No que se refere aos aspectos linguísticos do texto CBIA2-I, julgue o item subsequente.
Feitos os devidos ajustes de maiúsculas e minúsculas, o
ponto final que encerra o segundo período do quarto
parágrafo, após “enfrentar”, poderia ser substituído
corretamente pelo sinal de dois-pontos, visto que o período
subsequente explica o que é o “problema sério” mencionado.
"QUEBRAR OS HÁBITOS
Encontro numa folha de papel antiga umas frases em inglês, e de novo vejo que esqueci de anotar o nome do autor. Traduzo: ’Mas os grandes não podem guiar sua vida por você. Você precisará de um novo inventário de suas horas, de uma classificação mais severa do que vale a pena fazer e do que é simples passatempo. Precisará compreender que é frequentemente tão importante quebrar um bom hábito como quebrar um mau. Todos os hábitos são suspeitos’." (FONTE: LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p. 434.)
Sobre o uso da pontuação, podemos afirmar que:
Texto 3
Contra os iconoclastas
A mentira está no mundo. Ela está em nós e ao nosso redor. Não podemos fechar-lhe os olhos. Omnis homo mandax, diz um salmo (115, 11). Podemos traduzir: o homem é uma criatura capaz de mentir. Se não são todos os homens que escondem seus pensamentos com a língua, no caso de políticos e diplomatas a mentira integra o métier. Hermann Kesten expande a ideia como um leque: “Há categorias profissionais inteiras, sobre as quais o povo pensa de antemão, que obrigam seus representantes a mentir, como, por exemplo, teólogos, políticos, prostitutas, diplomatas, jornalistas, advogados, atores, juízes […]”. Palavras de um poeta?
Santo Agostinho, o primeiro a tornar a mentira objeto de reflexão filosófica e teológica, viu também em primeira mão o aspecto linguístico da mentira. Seria mentira o discurso figurado? Quod absit omnino (‘O que seria pura tolice’), disse Agostinho, ao refletir sobre a ideia de que a linguagem figurada em todas as suas formas talvez devesse ser considerada no âmbito da mentira. Não são muitos os que censuram explicitamente a metáfora (adotaremos o termo para todos os tipos de imagens linguísticas) de ser mentirosa. Mas implicitamente se ouve sempre essa censura. Em especial na ciência parece reinar um profundo ceticismo em relação à metáfora. Vez ou outra entram em cena iconoclastas arrogando que querem agora purificar a linguagem científica de todas as metáforas, e tudo ficaria bem, a verdade assomaria. Comparação deve ceder lugar à razão, dizem, e a ciência deve exprimir-se em sua linguagem. As metáforas apenas dissimulariam os pensamentos científicos, ou mesmo os deformariam. Um pesquisador sério escreve sem metáforas.
Mas eliminar as metáforas quer dizer não somente arrancar as flores do caminho da verdade, quer dizer também se privar do veículo que ajuda a acelerar o acesso à verdade. Uma palavra isolada jamais pode ser uma metáfora. “Fogo” é sempre a palavra normal cujo significado (lexical) conhecemos. Somente através de um contexto essa palavra pode se tornar uma metáfora, por exemplo, “fogo da paixão”. Se a metáfora necessariamente tem o contexto como condição de sua formação, não se aplica para ela a semântica da palavra isolada, mas a semântica da palavra no texto, com o jogo da determinação entre os polos do significado lexical e do significado textual. Essa tensão constitui o fascínio da metáfora.
Não há nenhuma razão para desconfiança ante as metáforas. Não se pode falar que a linguagem figurada seja como uma cobertura de flores, bela, mas inútil. Todas as palavras nos deveriam ser bem-vindas se queremos usá-las no texto, aquelas em contexto esperado, bem como aquelas em contexto inesperado, as metáforas. Não há mentira na metáfora, portanto.
WEINRICH, H. Linguística da mentira. Trad. de M. A. Barbosa e
W. Heidermann. Florianópolis: Ed. da Ufsc, 2017. p. 13-15; 53-59.
Adaptado.
Identifique abaixo as afirmativas verdadeiras ( V ) e as falsas ( F ), considerando o texto 3.
( ) No primeiro parágrafo, o sinal de dois-pontos desempenha a mesma função em suas duas ocorrências: anuncia uma síntese do que acabou de ser dito.
( ) A pergunta “Palavras de um poeta?” (1° parágrafo) é usada como recurso argumentativo, sendo respondida pelo autor no decorrer do texto.
( ) Em “As metáforas apenas dissimulariam os pensamentos científicos, ou mesmo os deformariam.” (2º parágrafo), as palavras sublinhas têm valor argumentativo, podendo ser substituídas, respectivamente, por “somente” e “até”, sem prejuízo de significado no texto.
( ) Em “Não há nenhuma razão para desconfiança ante as metáforas.” (4º parágrafo), a expressão sublinhada pode ser substituída por “razão alguma”, sem prejuízo de significado no texto.
( ) A frase “‘Fogo’ é sempre a palavra normal cujo significado (lexical) conhecemos.” (3° parágrafo) pode ser reescrita como “‘Fogo’ é sempre a palavra normal da qual conhecemos o significado (lexical).”
Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta, de cima para baixo.
Texto 2
Batalhas essenciais da democracia são linguísticas
Trecho de entrevista do escritor angolano Gonçalo M. Tavares à revista CULT.
CULT – Em O torcicologologista, excelência, você usa muitos jogos de lógica e brinca com o sentido das palavras, levando as situações à beira do absurdo. Em que medida esse jogo com a linguagem e o absurdo relacionam-se a certa crítica ao contemporâneo?
Gonçalo M. Tavares – Eu penso muito que a criação crítica sobre o contemporâneo é uma criação crítica sobre a linguagem, porque nas democracias grande parte das batalhas essenciais são linguísticas. E nós percebemos que a linguagem é uma máquina que pode funcionar de diferentes maneiras: uma máquina por vezes irônica, por vezes de manipulação, muitas vezes uma máquina de tentar explicar a realidade. Portanto a linguagem está sempre no centro da democracia. Felizmente, de alguma maneira, a arma foi substituída pelo verbo. O que me parece interessante é que as pessoas deveriam ter uma espécie de manual de defesa da linguagem e não têm (um pouco como aprender uma arte marcial), aprender a estrutura da linguagem, a forma como ela funciona. No Torcicologologista, os diálogos partem muito dessa ideia de que as frases não dizem apenas uma coisa, elas têm vários sentidos, podem ir por um caminho, ou pelo caminho oposto. O diálogo é uma maneira da pessoa dizer coisas que não sabia que sabia. É o outro, através de suas questões, que faz com que eu diga algo novo para mim, portanto o diálogo não é um somatório de monólogos, é mesmo uma possibilidade de descobrir coisas diferentes
CULT - Em que medida o excesso de explicações e informações sem encanto está relacionado às crises políticas, econômicas e sociais pelas quais o ocidente parece passar?
Gonçalo M. Tavares – A linguagem ligada ao informativo é uma linguagem útil, a economia exige uma linguagem útil, quase como se fosse algo de compra e venda, uma linguagem clara. Julgo que uma das grandezas da linguagem é muitas vezes não ser clara, é poder dizer várias coisas ao mesmo tempo, às vezes várias coisas opostas. Uma das qualidades da linguagem é, por exemplo, ser ambígua, o que muitas vezes a matemática não é. E isso não deve ser visto como algo negativo, deve ser visto como algo extraordinário. Essas qualidades da linguagem, que são qualidades escondidas, são o contrário da informação e o contrário da clareza; e a ideia de transformar a linguagem em um mundo útil é anular, é destruir as suas grandes qualidades. O mundo da poesia e da metáfora, por exemplo, é precisamente o mundo da não clareza. Talvez um mundo a buscar pela economia tenha retirado da linguagem essa possibilidade de sonhar, de fantasiar, de ser ambígua.
POMPERMAIER, P. H. Batalhas essenciais da democracia são linguísticas. Disponível em: <<https://revistacult.uol.com.br/home/batalhas-essenciais-da-democracia-sao-linguisticas-goncalo-tavares/>> Acesso em 24/08/2017 [Adaptado]
1. Em “E nós percebemos que a linguagem é uma máquina que pode funcionar de diferentes maneiras: […]”, o sinal de dois-pontos é usado para apresentar uma enumeração. 2. Em “Felizmente, de alguma maneira, a arma foi substituída pelo verbo”, a palavra sublinhada é uma advérbio que indica o modo como a ação verbal foi realizada. 3. Em “É o outro, através de suas questões, que faz com que eu diga algo novo para mim”, os vocábulos sublinhados funcionam como recurso de ênfase, podendo ser excluídos sem alterar as relações sintáticas entre os demais constituintes da frase. 4. Em “as pessoas deveriam ter uma espécie de manual de defesa da linguagem e não têm”, o conector sublinhado não tem função aditiva e sim adversativa, podendo ser substituído por “mas”, sem prejuízo de significado no texto. 5. Em “as frases não dizem apenas uma coisa, elas têm vários sentidos”, a segunda oração introduz uma informação que se contrapõe à direção argumentativa da primeira.
Assinale a alternativa que indica todas as afirmativas corretas.
Texto 3
New York, 6 de julho de 1946.
Clarice,
Não posso te mandar nenhuma palavra animadora: sei que você deve estar se desesperando com o seu livro, que não vai, que não vai, pois também me desespero com o meu, tenho trabalhado a sério e sofrido muito. E como esse desespero vem de não saber por quê; saber como a gente acaba sabendo, mas intimamente desconhece que a angústia e a expectativa deprimente vêm de não saber por quê. Se te mandam quebrar pedra ou fazer um móvel, a inteligência vai te angustiar na procura do meio mais certo, mais eficiente e mais perfeito de quebrar ou de fazer. Mas a insaciedade que te faz artista vai te atirar numa procura muito mais afetiva, digna e criadora: saber o que é uma cadeira, e que proveito os outros tirarão da pedra que você vai quebrar. Só assim você estará sendo artista. Sem saber isso você será escravo.
Digo apenas que não concordo com você quando você diz que faz arte porque “tem um temperamento infeliz e doidinho”. Tenho uma grande, uma grande esperança em você e já te disse que você avançou na frente de todos nós. Apenas desejo intensamente que você não avance demais para não cair do outro lado. Tem de ser equilibrista até o final.
Agora, espero mais intensamente ainda que você descubra o que é que esse livro vai ser.
Um abraço do amigo,
Fernando
SABINO, Fernando; LISPECTOR, Clarice. Cartas perto do coração. 3 ed.
Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 24-31. [adaptado]
Identifique abaixo as afirmativas verdadeiras ( V ) e as falsas ( F ), com base no trecho extraído do texto.
( ) Os dois-pontos são usados para anunciar uma síntese do que foi dito antes. ( ) O pronome sublinhado em “encontram-se” e “não se encontra” pode alterar a ordem em relação ao verbo, nas duas ocorrências, sem ferir a norma culta escrita da língua. ( ) A palavra “enquanto” pode ser substituída por “ao passo que”, sem prejuízo de significado no texto. ( ) A conjunção “mas” pode ser substituída por “e sim”, sem prejuízo de significado no texto. ( ) A preposição “com” introduz um adjunto adverbial de companhia.
Assinale a alternativa que indica a sequência correta, de cima para baixo.
Leia o texto de Luis Fernando Verissimo para responder à questão.
2020