TEXTO 1
Este livro começou em 12 de outubro de 2007. (...) Eu já tinha uma proposta na cabeça. Ou melhor, várias (...). Foi aí que
começou a aventura. Todas as minhas ideias foram rejeitadas. E veio a provocação final:
— Por que não falar da sua experiência como ator negro?
As duas perguntas que mais fazem a um ator negro, além das básicas “Esse personagem é um presente para você?” e “Você
prefere fazer teatro, cinema ou tv?”, são:
— Sendo um ator negro, o que acha dessa coisa toda de racismo?
— Como é fazer um médico, arquiteto, surfista, Roque Santeiro, boêmio da Lapa, padre, gay ou seja lá quem for... negro?
Quando ouço essa última, sempre me dá vontade de responder algo bem esdrúxulo, do tipo: “Não sei, pois nunca fiz um
médico, arquiteto, surfista, Roque Santeiro, boêmio da Lapa, padre, gay ou seja lá quem for... verde”.
Às vezes, e sei que você que me lê agora também faz isso, no meio de uma conversa viajo para um universo paralelo e
lembro ou imagino coisas. Neste momento, o universo paralelo se abriu e me lembrei de um papo que tive com Wagner (o
Moura) depois que nos mudamos de Salvador para o Rio (...), em que ele, meio entristecido, disse que estava cansado, pois só
era chamado para fazer papéis de bandido ou nordestino.
— E eu, brother, que só sou chamado para fazer negro? Você, pelo menos, ainda tem duas opções — brinquei.
(...)
Ter passado a conviver com pessoas que não refletiam sobre o racismo no seu dia a dia me fez buscar argumentos para
inserir esse tema nas conversas. Queria que elas percebessem o que para mim era tão claro. Queria dividir sem medo minha
sensação de entrar num restaurante e ser o único negro no lugar. Queria mostrar as riquezas da cultura afro-brasileira, da qual
eu tanto me orgulho e que é tantas vezes ignorada.
(...) A palavra “identidade”, que passou a aparecer com cada vez mais frequência, calou fundo em mim. Ao mesmo tempo,
comecei a ter a clareza de que essa não é uma “questão dos negros”. É uma questão de qualquer cidadão brasileiro, ela diz
respeito ao país, é uma questão nacional. Para crescer, o Brasil precisa potencializar seus talentos, e o preconceito é um forte
empecilho para que isso aconteça.
RAMOS, LÁZARO. Na minha pele. Rio de Janeiro: Objetiva, 2017, p. 9-10, 12-13.