Questões de Português - Vícios da linguagem para Concurso
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Leia o texto abaixo e responda às questões propostas.
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
Estou deitado na margem. Dois barcos, presos a um tronco de salgueiro cortado em remotos tempos, oscilam ao jeito do vento, não da corrente, que é macia, vagarosa, quase invisível. A paisagem em frente, conheço-a. Por uma aberta entre as árvores, vejo as terras lisas da lezíria, ao fundo uma franja de vegetação verde-escura, e depois, inevitavelmente, o céu onde boiam nuvens que só não são brancas porque a tarde chega ao fim e há o tom de pérola que é o dia que se extingue. Entretanto, o rio corre. Mais propriamente se diria: anda, arrasta-se- mas não é costume.
Três metros acima da minha cabeça estão presos nos ramos rolos de palha, canalhas de milho, aglomerados de lodo seco. São os vestígios da cheia. À esquerda, na outra margem, alinham-se os freixos que, a esta distância, por obra do vento que lhes estremece as folhas numa vibração interminável, me fazem lembrar o interior de uma colmeia. É o mesmo fervilhar, numa espécie de zumbido vegetal, uma palpitação (é o que penso agora), como se dez mil aves tivessem brotado dos ramos numa ansiedade de asas que não podem erguer voo.
Entretanto, enquanto vou pensando, o rio continua a passar, em silêncio. Vem agora no vento, da aldeia que não está longe, um lamentoso toque de sinos: alguém morreu, sei quem foi, mas de que serve dizê-lo? Muito alto, duas garças brancas (ou talvez não sejam garças, não importa) desenham um bailado sem princípio nem fim: vieram inscrever-se no meu tempo, irão depois continuar o seu, sem mim.
Olho agora o rio que conheço tão bem. A cor das águas, a maneira como escorregam ao longo das margens, as espadanas verdes, as plataformas de limas onde encontram chão as rãs, onde as libélulas (também chamadas tira-olhos) pousam a extremidade das pequenas garras - este rio é qualquer coisa que me corre no sangue, a que estou preso desde sempre e para sempre. Naveguei nele, aprendi nele a nadar, conheço-lhe os fundões e as locas onde os barbos pairam imóveis. É mais do que um rio, é talvez um segredo.
E, contudo, estas águas já não são as minhas águas. O tempo flui nelas, arrasta-as e vai arrastando na corrente líquida, devagar, à velocidade (aqui, na terra) de sessenta segundos por minuto. Quantos minutos passaram já desde que me deitei na margem, sobre o feno seco e doirado? Quantos metros andou aquele tronco apodrecido que flutua? O sino ainda toca, a tarde teve agora um arrepio, as garças onde estão? Devagar, levanto-me, sacudo as palhas agarradas à roupa, calço-me. Apanho uma pedra, um seixo redondo e denso, lanço-o pelo ar, num gesto do passado. Cai no meio do rio, mergulha (não vejo, mas sei), atravessa as águas opacas, assenta no lodo do fundo, enterra-se um pouco.[ ... ]
Desço até a água, mergulho nela as mãos, e não as reconheço. Vêm-me da memória outras mãos mergulhadas noutro rio. As minhas mãos de há trinta anos, o rio antigo de águas que já se perderam no mar. Vejo passar o tempo. Tem a cor da água e vai carregado de detritos, de pétalas arrancadas de flores, de um toque vagaroso de sinos. Então uma ave cor de fogo passa como um relâmpago. O sino cala-se. E eu sacudo as mãos molhadas de tempo, levando-as até aos olhos - as minhas mãos de hoje, com que prendo a vida e a verdade desta hora.
(SARAMAGO, José. Deste mundo e do outro. Lisboa: Editorial Caminho, 1985. p. 35-37)
Vocabulário:
lezíria - zona agrícola muito fértil, situada na região do Ribatejo, em Portugal.
freixo - árvore das florestas dos climas temperados, de madeira clara, macia e resistente.
espadana - planta herbácea, aquática ou palustre, com folhas agudas.
loca - toca; furna; gruta pequena; esconderijo do peixe, debaixo da água, sob uma laje ou tronco submersos.
barbo-peixe vulgar de água doce.
Sobre o texto, leia as afirmativas a seguir.
I. A narrativa do autor transborda sensações buscadas em algum espaço da memória.
lI. O lirismo está presente e emociona no sentido de levar o leitor à reflexão acerca de sua própria vida e momento.
IlI. O autor apresenta uma metáfora do rio que passa como a passagem do tempo e as suas consequências.
Está(ão) correta(s) a(s) afirmativa(s):
Sobre o segundo verso no fragmento do poema, é correto afirmar que
Texto para responder às questões de 01 a 10.
O apagão poderá nos trazer alguma luz
Não tivemos guerra, não tivemos revolução, mas teremos o apagão. O apagão será uma porrada na nossa autoestima, mas terá suas vantagens.
Com o apagão, ficaremos mais humildes, como os humildes. A onda narcisista da democracia liberal ficará mais “cabreira”, as gargalhadas das colunas sociais serão menos luminosas, nossos flashes, menos gloriosos. Baixará o astral das estrelas globais, dos comedores. As bundas ficarão mais tímidas, os peitos de silicone, menos arrebitados. Ficaremos menos arrogantes na escuridão de nossas vidas de classe média. [...] Haverá algo de becos escuros, sem saída. A euforia de Primeiro Mundo falsificado cairá por terra e dará lugar a uma belíssima e genuína infelicidade.
O Brasil se lembrará do passado agropastoril que teve e ainda tem; teremos saudades do matão, do luar do sertão, da Rádio Nacional, do acendedor de lampiões da rua, dos candeeiros. Lembraremos das tristes noites dos anos 40, como dos “blackouts” da Segunda Guerra, mesmo sem submarinos, apenas sinistros assaltantes nas esquinas apagadas.
O apagão nos lembrará de velhos carnavais: “Tomara que chova três dias sem parar”. Ou: “Rio, cidade que nos seduz, de dia falta água, de noite falta luz!”. Lembraremo-nos dos discos de 78 rpm, das TVs em preto-e-branco, de um Brasil mais micha, mais pobre, cambaio, mas bem mais brasileiro em seu caminho da roça, que o golpe de 64 interrompeu, que esta mania prostituída de Primeiro Mundo matou a tapa.
[...]
O apagão nos mostrará que somos subdesenvolvidos, que essa superestrutura modernizante está sobre pés de barro. O apagão é um “upgrade” nas periferias e nos “bondes do Tigrão”, nos lembrando da escuridão física e mental em que vivem, fora de nossas avenidas iluminadas. O apagão nos fará mais pensativos e conscientes de nossa pequenez. Seremos mais poéticos. Em noites estreladas, pensaremos: “A solidão dos espaços infinitos nos apavora”, como disse Pascal. Ou ainda, se mais líricos, recitaremos Victor Hugo: “A hidrauniverso torce seu corpo cravejado de estrelas...”.
[...] O apagão nos dará medo, o que poderá nos fazer migrar das grandes cidades, deixando para trás as avenidas secas e mortas. O apagão nos fará entender os flagelados do Nordeste, que sempre olharam o céu como uma grande ameaça. O apagão nos fará contemplar o azul sem nuvens, pois aprendemos que a natureza é quando não respeitada.
O apagão nos fará mais parcimoniosos, respeitosos e públicos. Acreditaremos menos nos arroubos de autossuficiência.
O apagão vai dividir as vidas, de novo, em dias e noites, que serão nítidos sem as luzes que a modernidade celebra para nos fascinar e nos fazer esquecer que as cidades, de perto, são feias e injustas. Vai diminuir a “feerie” do capitalismo enganador.
Vamos dormir melhor. Talvez amemos mais a verdade dos dias. Acabará a ilusão de clubbers e playboys, que terão medo dos “manos” em cruzamentos negros, e talvez o amor fique mais recolhido, sussurrado e trêmulo. Talvez o sexo se revalorize como prazer calmo e doce e fique menos rebolante e voraz. Talvez aumente a população com a diminuição das diversões eletrônicas noturnas. O apagão nos fará inseguros na rua, mas, talvez, mais amigos nos lares e bares.
Finalmente, nos fará mais perplexos, pois descobriremos que o Brasil é ainda mais absurdo, pois nunca entenderemos como, com três agências cuidando da energia, o governo foi pego de surpresa por essas trevas anunciadas. Só nos resta o consolo de saber que, no fim, o apagão nos trará alguma luz sobre quem somos.
JABOR, Arnaldo. O apagão poderá nos trazer alguma luz. Folha de S. Paulo, São Paulo, 15 de maio 2001. Extraído do site. <www.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1505200129.htm. Acesso em14 out. 2016. (Fragmento)
Em “O apagão vai dividir as vidas, de novo, em dias e noites” há uma figura de linguagem denominada:
O texto a seguir é referência para as questões 08 a 10.
O nobilíssimo ponto e vírgula
Estava na “capa” do UOL ontem: “Medo de ser assassinado atinge 3 em 4 brasileiros; 67% de jovens temem a PM”. Por favor, veja o ponto e vírgula, prezado leitor. Que faz ele aí? É correto o seu emprego? [...]
Posto isso, voltemos ao título do UOL e ao ponto e vírgula que há nele. Esse título diz respeito a uma pesquisa realizada pelo Datafolha e publicada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O tema da pesquisa, obviamente, é a violência no Brasil, que, como se sabe, é um país pacífico, solidário etc., etc., etc.
As duas informações que há no título são distintas: a primeira diz respeito ao medo de ser assassinado, sentimento de 76% dos entrevistados; a segunda diz respeito ao temor que 67% dos jovens entrevistados têm da Polícia Militar.
As informações são distintas, mas integram o mesmo assunto, o mesmo campo, o mesmo território, por isso foi empregado (corretissimamente) o ponto e vírgula, que separa o primeiro bloco, completo, autônomo etc., do segundo bloco, também completo, autônomo etc.
O papel do ponto e vírgula é sempre o de separar partes autônomas de um todo, isto é, blocos que apresentam sentido e informação completos e pertencem ao mesmo conjunto, ao mesmo assunto. […]
(Pasquale Cipro Neto, publicado em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/pasquale/2016/11/1828820-o-nobilissimo-ponto-e-virgula.shtml?logged paywall. Acesso em 01/06/18. Adaptado)
Em determinado momento do texto, o autor faz uso da ironia. Assinale a alternativa na qual podemos constatar tal uso.
TEXTO 02
Os infinitos arredores
Não pergunte quem eu sou, que não sou uno. Sou várias respostas, primo e par, sou múltiplo e infinito, sou átomo. O universo interior e o cosmo lá fora. Útero e esperma, concepção e abortos. Natividade e morte, plasma de todas as geratrizes. O divino e o satânico, o anjo e o demônio, a flor e o espinho, a semente e a terra, a perdição e o louvor. Aminha resposta é múltipla porque não me sei. E a sua indagação se perde no meu vário, ovário.
Se eu me defino, castro-me, pois identifico-me parte. A gradação de uma escala não executa a escala. É uma sugestão de grandeza que se pode diluir na profundeza de uma síncope ou no abissal de uma explosão. Na verdade, às vezes, me busco lá fora, na multidão das gentes e das coisas. Então me disperso em passos e voos, cada vez menos identificáveis. Às vezes, me busco por dentro e maior a multidão e mais me espalho, pulverizo na refração do ser.
Sem dúvida, sou a procura do todo, a agonia do homem. O primeiro passo, como a primeira palavra e o primeiro gesto, é a perdição do eu, a danação do indivíduo, cosmopolita de sensações. Nem o rastro, nem o eco respondem mais pela unidade do passo e da palavra [...].
MARACAJÁ, Robério. Cerca de Varas. Campina Grande: Latus, 2014, p. 223.
O primeiro parágrafo do texto é, prioritariamente, marcado por uma construção