TEXTO
O texto abaixo servirá de base para responder a questão.
Uma crônica sobre o vazio deixado pelas festas de
Natal durante a pandemia
domingo 03 janeiro 2021 0:00 Por Italo Wolff
Pela primeira vez em minha vida, eu passei a noite
do dia 24 de dezembro distante de minha família.
Sendo órfão e tendo sido criado pelos avós em uma
casa marcada pela tragédia, o Natal sempre foi para
mim uma reafirmação dos laços de parentesco e da normalidade. Nunca fomos religiosos, mas o pinheiro
cheio de enfeites, o presépio com seus pequenos
camelos de plástico e o forro de mesa verde e
vermelho e dourado pareciam querer dizer que,
apesar de tudo, estávamos juntos - éramos uma
família unida por tradições estranhas, mas capaz de
demonstrar o amor que sentimos uns pelos outros.
Neste ano, a celebração seria mais do que
bem-vinda. A estoica matriarca da família, de 94
anos, hoje viúva e solitária, disse que não se
importava com pandemia alguma; preferia contrair
uma doença mortal do que admitir em seus últimos
anos que o caos e a tragédia do mundo haviam
vencido. Naturalmente, o restante da família
desconsiderou a ideia e obrigou o amor, desajeitado,
a procurar outras vias para se manifestar:
telefonemas, chamadas de vídeo e entrega de
presentes a distância.
Entretanto, percebemos - eu percebi, na voz da
matriarca da família - que alguma coisa se rompeu
neste Natal. Não houve o reassegurar de
normalidade nenhuma - porque nada está normal - e
nem a tranquilização da presença dos parentes que,
de uma forma ou outra, calharam de sobreviver
juntos e decidem continuar unidos. Talvez a matriarca
não esteja mais por aqui no ano que vem; talvez os
primos decidam aproveitar essa suspensão
temporária para interromper o Natal de vez,
passando a dedicar as noites do dia 24 às festas nas
casas das famílias de seus respectivos cônjuges.
Famílias que vivem espalhadas em duas casas ou
mais precisam de oportunidades para elaborar sua
identidade enquanto grupo. Ainda que o afeto esteja
presente no dia a dia, as datas comemorativas fazem
parte de quem somos. Individualmente, sei que o
núcleo de minha família perdeu membros demais e
começou a ganhar novos integrantes distantes
demais para que consiga permanecer unida por mais
muito tempo, com pandemia ou sem. Mas, em larga
escala, me pergunto o impacto geral que um ano de
Natal proibido teve na sociedade.
https://www.jornalopcao.com.br/reportagens/o-ultimo-natal-304313/ Acessado em
29/03/2021