Em um mundo cada vez mais digital, ainda cultivo o hábito de guardar
papéis. Não se trata de qualquer tipo de papel. Guardo cartas, bilhetes
e atividades dos estudantes com quem tenho convivido desde a última
década como se fossem verdadeiros tesouros.
Aproveitei os dias chuvosos para me alimentar das recordações dos
meus alunos e alunas. [...] “O meu maior desejo é virar uma advogada.
Desde pequena, quando o meu pai foi preso, eu sonho com isso.
Quando o meu pai saiu, eu fiquei muito feliz, mas ele só ficou dois
anos na rua. Então esse é o meu maior sonho, ser advogada para tirar
o meu pai da cadeia. Sei que vou ter que estudar muito, mas tenho
certeza que vou conseguir.”
Quando me deparo com sonhos como o da Larissa, encontro argumentos
contundentes para rebater o discurso da meritocracia. Não há justiça
quando a maioria precisa enfrentar toda ordem de dificuldades para
galgar melhores condições de vida, ao passo que uma minoria detém
todas as oportunidades. Além de perverso, uma vez que deposita nas
classes pobres a culpa pela precarização de suas vidas, tal discurso tem
servido para justificar a negação de direitos e também para criminalizar
a pobreza e a miséria.
Trabalho para que essa visão deturpada da realidade não contamine
meus alunos. Insurjo cada vez que a falácia da meritocracia aparece
nas reuniões pedagógicas e nos cursos de formação de professores
que tenho ministrado.
TOLENTINO, Luana. Esse é meu maior sonho, ser advogada para tirar meu pai da
cadeia. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/esse-e-o-meu-maiorsonho-ser-advogada-para-tirar-o-meupai-da-cadeia/. Acesso em: 16 ago. 2021.