Questões de Concurso Público SEDUC-TO 2009 para Professor - Língua Portuguesa
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Texto II
Grande sertão: veredas
Olhe: conto ao senhor. Se diz que, no bando de
Antônio Dó, tinha um grado jagunço, bem remediado
de posses – Davidão era o nome dele. Vai, um dia,
coisas dessas que às vezes acontecem, esse Davidão
5 pegou a ter medo de morrer. Safado, pensou, propôs
este trato a um outro, pobre dos mais pobres, chamado
Faustino: o Davidão dava a ele dez contos de réis, mas,
em lei de caborje – invisível no sobrenatural – chegasse
primeiro o destino de Davidão morrer em combate,
10 então era o Faustino quem morria, em vez dele.
E o Faustino aceitou, recebeu, fechou. Parece que,
com efeito, no poder de feitiço ele muito não acreditava.
Então, pelo seguinte, deram um grande fogo, contra os
soldados do Major Alcides do Amaral, sitiado forte em
15 São Francisco. Combate quando findou, todos os
dois estavam vivos, o Davidão e o Faustino. A de ver?
Para nenhum deles não tinha chegado a hora-e-dia.
Ah, e assim e assim foram, durante os meses, escapos,
alteração nenhuma não havendo; nem feridos eles não
20 saíam... Que tal, o que o senhor acha? Pois, mire e
veja: isto mesmo narrei a um rapaz de cidade grande,
muito inteligente, vindo com outros num caminhão,
para pescarem no Rio. Sabe o que o moço me disse?
Que era assunto de valor, para se compor uma estória
25 em livro. Mas que precisava de um final sustante,
caprichado. O final que ele daí imaginou foi um: que,
um dia, o Faustino pegava também a ter medo, queria
revogar o ajuste! Devolvia o dinheiro. Mas o Davidão
não aceitava, não queria, por forma nenhuma.
30 Do discutir, ferveram nisso, ferraram numa luta
corporal. A fino, o Faustino se provia na faca, investia,
os dois rolavam no chão, embolados. Mas, no confuso,
por sua própria mão dele, a faca cravava no coração do
Faustino, que falecia...
35 Apreciei demais essa continuação inventada.
A quanta coisa limpa verdadeira uma pessoa de alta
instrução não concebe! No real da vida as coisas
acabam com menos formato, nem acabam. Melhor
assim. Pelejar, por exato, dá erro contra a gente. Não
40 se queira. Viver é muito perigoso...
GUIMARÃES ROSA, João. Grande sertão: veredas. Edição comemorativa dos 50 anos de publicação da obra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 75-76. (Fragmento)
Guimarães Rosa costumava construir seus textos com personagens reais, como é o caso de Antônio Dó, e com histórias ouvidas no sertão mineiro, em que realidade e ficção se confundem.
O fragmento de Grande sertão: veredas, ora transcrito, é um exemplo disso, pois, na história dos jagunços, o narrador-personagem toma por base
Texto II
Grande sertão: veredas
Olhe: conto ao senhor. Se diz que, no bando de
Antônio Dó, tinha um grado jagunço, bem remediado
de posses – Davidão era o nome dele. Vai, um dia,
coisas dessas que às vezes acontecem, esse Davidão
5 pegou a ter medo de morrer. Safado, pensou, propôs
este trato a um outro, pobre dos mais pobres, chamado
Faustino: o Davidão dava a ele dez contos de réis, mas,
em lei de caborje – invisível no sobrenatural – chegasse
primeiro o destino de Davidão morrer em combate,
10 então era o Faustino quem morria, em vez dele.
E o Faustino aceitou, recebeu, fechou. Parece que,
com efeito, no poder de feitiço ele muito não acreditava.
Então, pelo seguinte, deram um grande fogo, contra os
soldados do Major Alcides do Amaral, sitiado forte em
15 São Francisco. Combate quando findou, todos os
dois estavam vivos, o Davidão e o Faustino. A de ver?
Para nenhum deles não tinha chegado a hora-e-dia.
Ah, e assim e assim foram, durante os meses, escapos,
alteração nenhuma não havendo; nem feridos eles não
20 saíam... Que tal, o que o senhor acha? Pois, mire e
veja: isto mesmo narrei a um rapaz de cidade grande,
muito inteligente, vindo com outros num caminhão,
para pescarem no Rio. Sabe o que o moço me disse?
Que era assunto de valor, para se compor uma estória
25 em livro. Mas que precisava de um final sustante,
caprichado. O final que ele daí imaginou foi um: que,
um dia, o Faustino pegava também a ter medo, queria
revogar o ajuste! Devolvia o dinheiro. Mas o Davidão
não aceitava, não queria, por forma nenhuma.
30 Do discutir, ferveram nisso, ferraram numa luta
corporal. A fino, o Faustino se provia na faca, investia,
os dois rolavam no chão, embolados. Mas, no confuso,
por sua própria mão dele, a faca cravava no coração do
Faustino, que falecia...
35 Apreciei demais essa continuação inventada.
A quanta coisa limpa verdadeira uma pessoa de alta
instrução não concebe! No real da vida as coisas
acabam com menos formato, nem acabam. Melhor
assim. Pelejar, por exato, dá erro contra a gente. Não
40 se queira. Viver é muito perigoso...
GUIMARÃES ROSA, João. Grande sertão: veredas. Edição comemorativa dos 50 anos de publicação da obra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 75-76. (Fragmento)
A análise do texto, que narra um trato entre jagunços rudes do sertão, conduz à inequívoca conclusão de que a(o)
Texto II
Grande sertão: veredas
Olhe: conto ao senhor. Se diz que, no bando de
Antônio Dó, tinha um grado jagunço, bem remediado
de posses – Davidão era o nome dele. Vai, um dia,
coisas dessas que às vezes acontecem, esse Davidão
5 pegou a ter medo de morrer. Safado, pensou, propôs
este trato a um outro, pobre dos mais pobres, chamado
Faustino: o Davidão dava a ele dez contos de réis, mas,
em lei de caborje – invisível no sobrenatural – chegasse
primeiro o destino de Davidão morrer em combate,
10 então era o Faustino quem morria, em vez dele.
E o Faustino aceitou, recebeu, fechou. Parece que,
com efeito, no poder de feitiço ele muito não acreditava.
Então, pelo seguinte, deram um grande fogo, contra os
soldados do Major Alcides do Amaral, sitiado forte em
15 São Francisco. Combate quando findou, todos os
dois estavam vivos, o Davidão e o Faustino. A de ver?
Para nenhum deles não tinha chegado a hora-e-dia.
Ah, e assim e assim foram, durante os meses, escapos,
alteração nenhuma não havendo; nem feridos eles não
20 saíam... Que tal, o que o senhor acha? Pois, mire e
veja: isto mesmo narrei a um rapaz de cidade grande,
muito inteligente, vindo com outros num caminhão,
para pescarem no Rio. Sabe o que o moço me disse?
Que era assunto de valor, para se compor uma estória
25 em livro. Mas que precisava de um final sustante,
caprichado. O final que ele daí imaginou foi um: que,
um dia, o Faustino pegava também a ter medo, queria
revogar o ajuste! Devolvia o dinheiro. Mas o Davidão
não aceitava, não queria, por forma nenhuma.
30 Do discutir, ferveram nisso, ferraram numa luta
corporal. A fino, o Faustino se provia na faca, investia,
os dois rolavam no chão, embolados. Mas, no confuso,
por sua própria mão dele, a faca cravava no coração do
Faustino, que falecia...
35 Apreciei demais essa continuação inventada.
A quanta coisa limpa verdadeira uma pessoa de alta
instrução não concebe! No real da vida as coisas
acabam com menos formato, nem acabam. Melhor
assim. Pelejar, por exato, dá erro contra a gente. Não
40 se queira. Viver é muito perigoso...
GUIMARÃES ROSA, João. Grande sertão: veredas. Edição comemorativa dos 50 anos de publicação da obra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 75-76. (Fragmento)
No trecho “O final que ele daí imaginou foi um: que, um dia, o Faustino pegava também a ter medo, queria revogar o ajuste!” (A. 26-28), a palavra que desempenha nas orações, respectivamente, quanto à sintaxe, os valores de
Texto III
Poesia Pau-Brasília: Receita
Ingredientes
2 conflitos de gerações
4 esperanças perdidas
3 litros de sangue fervido
5 5 sonhos eróticos
2 canções dos Beatles
Modo de preparar
Dissolva os sonhos eróticos
Nos dois litros de sangue fervido
10 E deixe gelar seu coração.
Leve a mistura ao fogo
Adicionando dois conflitos de geração
Às esperanças perdidas
Corte tudo em pedacinhos
15 E repita com a canção dos Beatles
O mesmo processo usado com os sonhos eróticos
Mas dessa vez deixe ferver um pouco mais
E mexa até dissolver
Parte do sangue pode ser substituída
20 Por suco de groselha
Mas os resultados não serão os mesmos.
Sirva o poema simples
Ou com ilusões
BEHR, Nicolas, 7 fev. 2008. Disponível em: alldementedforever /
http://www.nicolas-behr.com.br (Acessado em abr. de 2009).
Em geral, o gênero textual “receita” se apresenta segmentado em duas partes: em uma, tem-se os ingredientes necessários à feitura do prato; em outra, explica-se como fazer a iguaria.
No texto ora enfocado, o mecanismo coesivo que liga as duas partes mencionadas é o seguinte:
Texto III
Poesia Pau-Brasília: Receita
Ingredientes
2 conflitos de gerações
4 esperanças perdidas
3 litros de sangue fervido
5 5 sonhos eróticos
2 canções dos Beatles
Modo de preparar
Dissolva os sonhos eróticos
Nos dois litros de sangue fervido
10 E deixe gelar seu coração.
Leve a mistura ao fogo
Adicionando dois conflitos de geração
Às esperanças perdidas
Corte tudo em pedacinhos
15 E repita com a canção dos Beatles
O mesmo processo usado com os sonhos eróticos
Mas dessa vez deixe ferver um pouco mais
E mexa até dissolver
Parte do sangue pode ser substituída
20 Por suco de groselha
Mas os resultados não serão os mesmos.
Sirva o poema simples
Ou com ilusões
BEHR, Nicolas, 7 fev. 2008. Disponível em: alldementedforever /
http://www.nicolas-behr.com.br (Acessado em abr. de 2009).
Na segunda parte da receita, os ingredientes mencionados na primeira estão precedidos de artigos definidos porque