Texto 1A2-I
Este artigo questiona a informação histórica de que o
Brasil se insere na modernidade-mundo, o chamado “mundo
moderno”, através da realização da Semana de Arte Moderna de
1922. Tal inserção se daria, na verdade, pela construção do
samba moderno a partir da ótica artística de Pixinguinha
(1897-1973), em especial pela sua excursão com os Oito Batutas
pela França, em 1921, patrocinada pelo multimilionário Arnaldo
Guinle (1884-1963), apesar das críticas negativas de cunho
racista dos cadernos culturais da época.
O samba de Pixinguinha é resultante do amálgama das
expressões culturais e religiosas afro-brasileiras e das trocas de
experiências culturais entre diferentes expressões culturais que
começavam a circular pelo mundo, de maneira mais ampla e
rápida, graças às ondas sonoras de rádio, às gravações de discos e
às partituras que chegavam ao Rio de Janeiro. Existia toda uma
vida cultural que se desenvolvia em torno da vida portuária
carioca, que funcionava como acesso das populações pobres e
marginalizadas da cidade ao que de mais moderno ocorria no
mundo, de maneiras inimaginadas pelas elites da época, com
impactos ainda não devidamente situados e valorizados em suas
importâncias e significados para a cultura brasileira. Há ainda a
influência da música europeia como a polca ou a música de
Bach, retrabalhadas e contextualizadas pelos músicos negros e
mestiços que deram origem ao choro e ao maxixe, os quais
seriam presenças seminais no artesanato musical de Pixinguinha.
Pixinguinha e seus oito Batutas subvertem a ordem racista
da elite brasileira da época conquistando –– literalmente –– a
cidade luz, estabelecendo novos parâmetros culturais e de
modernidade para os próprios europeus. No entanto, mesmo que
seu impacto no exterior tenha se dado de maneira espaçada e
pontual, a Semana de Arte Moderna de 1922 ficou conhecida
como símbolo de nossa inserção na modernidade-mundo vigente,
em detrimento do impacto imediato causado pela arte
revolucionária de Pixinguinha e sua trupe musical entre os
círculos culturais europeus. Cada apresentação era uma
demonstração ao mundo de uma nova forma de música urbana,
articulada e desenvolvida, com estrutura rítmica e harmoniosa de
alta sofisticação. Não é por acaso que as gravações e partituras
desse período em Paris tornaram-se referenciais para o cenário
musical francês e para o mundo do jazz norte-americano, como
ficaria comprovado pela admiração confessa de Louis Armstrong
(1901-1971) por Pixinguinha ou pela regravação de Tico-Tico
no fubá por Charlie Parker (1920-1955), no álbum La Paloma,
em 1954.
Christian Ribeiro. Pixinguinha, o samba e a construção do Brasil
moderno. Internet: (com adaptações).