Estabelecer fronteiras é o fenômeno originário da
violência instauradora do direito em geral, segundo Walter
Benjamin, autor do ensaio Para uma crítica da violência, de
1921. O ato jurídico-político originário é o estabelecimento de
fronteiras que delimitam dentro e fora, incluídos e excluídos,
amigos e inimigos da pátria. Em seus primórdios, “todo direito
foi um direito de prerrogativa (ou privilégio) dos reis ou dos
grandes; em suma: dos poderosos”. O privilégio primordial de
apropriar a terra, nomeá-la e ordená-la indica o nexo
território-Estado-nascimento que caracteriza o antigo e ainda
atual nómos da terra, do qual o fechamento de fronteiras em
tempos de pandemia é mero sintoma. Se a figura do refugiado
nos é tão inquietante, é porque coloca em questão uma vida
humana em terra de ninguém.
Em O nómos da terra, o controverso jurista alemão Carl
Schmitt, com quem Benjamin trocou correspondências, descreve
a origem do termo nómos, palavra grega para “lei”. Nómos indica
a ordenação espacial original necessária para o estabelecimento
de toda e qualquer ordem jurídica. Nómos indica que o direito
está objetivamente enraizado na apropriação da terra. A
constituição jurídica de um nómos, ou seja, a apropriação jurídica
do espaço, tem por pressuposto a capacidade de nomear. No
termo alemão Landnahme, apropriação ou tomada da terra,
encontramos o termo nahme, antiga grafia de name, que significa
“nome”. Nomear e constituir uma ordem jurídica são atos
similares, na medida em que implicam apropriação. Exemplos
históricos — incrivelmente ainda frequentes — são a imposição
do nome do marido à mulher, que é “tomada em casamento”, ou
o patronímico imposto à criança no momento do nascimento.
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