As forças da natureza são obviamente indiferentes a
modos de produção, tempo e espaço. Mas são as estruturas
sociais que determinam as consequências, o grau de sofrimento e
quem morre mais. Em 1989, o terremoto de São Francisco, de
intensidade 7,1 na escala Richter, causou a morte de 63 pessoas e
deixou cerca de 3.700 feridos. Em 2010, o terremoto em Porto
Príncipe, no Haiti, de magnitude 7,0 na escala Richter, matou
mais de 300 mil pessoas e deixou 300 mil feridos. Dez meses
depois, uma epidemia de cólera matou 9 mil pessoas.
Quando a natureza atinge a existência humana, o impulso
primário é buscar o culpado mais à mão no imaginário. Pode ser
Deus, a cruel natureza ou o enigmático ente a que se denomina
destino. Mas muito frequentemente destino é uma expressão que
encobre com um véu de irracionalidade o que é apenas obra
humana.
O vírus atinge o planeta. O vírus ameaça a humanidade.
Planeta ou humanidade designam tanto os habitantes de
Manhattan, da Avenue Foch, em Paris, do Leblon, no Rio de
Janeiro, ou dos Jardins, em São Paulo, como também designam
os 800 milhões de pessoas que passam fome no mundo, segundo
dados da Organização das Nações Unidas (2017). No planeta
vive o 1% das pessoas que detém renda maior que os restantes
99% da população mundial. Vivem 42 pessoas cuja riqueza é
igual à de 3,7 bilhões dos mais pobres que lutam para sobreviver,
para suprir necessidades básicas. Vivem os que têm renda para
ficar em casa e fazer suas compras de alimentos pela Internet, os
que não vão comer hoje por causa da pandemia e os que já não
comiam antes da pandemia. Vivem os que podem se isolar e os
que moram em aglomerados miseráveis, em um cômodo apenas,
para os quais as palavras “confinamento”, “isolamento” ou
“quarentena” são piadas de mau gosto. Vivem 4,5 bilhões de
pessoas que não têm saneamento nem água encanada,
desprovidas das condições mínimas de higiene.
Internet:<revistacult.uol.com.br> (com adaptações).