Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo
dirige-se a este porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro
diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem do
campo reflete e depois pergunta se então não pode entrar mais
tarde. “É possível”, diz o porteiro, “mas agora não”. Uma vez que
a porta da lei continua como sempre aberta, e o porteiro se põe de
lado, o homem se inclina para o interior através da porta. Quando
nota isso, o porteiro ri e diz: “Se o atrai tanto, tente entrar apesar
da minha proibição. Mas veja bem: eu sou poderoso. E sou
apenas o último dos porteiros. De sala para sala, porém, existem
mais porteiros, cada um mais poderoso que o outro. O camponês
não esperava tais dificuldades: a lei deve ser acessível a todos e a
qualquer hora, pensa ele. Ele faz muitas tentativas para ser
admitido, e cansa o porteiro com os seus pedidos. O homem, que
se havia equipado para a viagem com muitas coisas, lança mão
de tudo, por mais valioso que seja, para subornar o porteiro. Este
aceita tudo. Durante todos esses anos, o homem observa o
porteiro quase sem interrupção. Esquece outros porteiros e este
primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada na lei. Nos
primeiros anos, amaldiçoa em voz alta o acaso infeliz. Antes de
morrer, todas as experiências daquele tempo convergem na sua
cabeça para uma pergunta que até então não havia feito ao
porteiro. Faz-lhe um aceno para que se aproxime. “O que é que
você ainda quer saber?”, pergunta o porteiro. “Você é
insaciável.” “Todos aspiram à lei”, diz o homem. “Como se
explica que, em tantos anos, ninguém além de mim pediu para
entrar?” O porteiro percebe que o homem já está no fim e, para
ainda alcançar sua audição em declínio, ele berra: “Aqui ninguém
mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só a
você. Agora eu vou embora e fecho-a”.
Franz Kafka. O processo. Tradução de Modesto Carone.
Companhia das Letras, 1997 (com adaptações).