Espinosa atravessou lentamente a rua, olhar no chão, mãos
nos bolsos, em direção à praça. O sol ainda brilhava forte na
tarde de primavera. Procurou um banco vazio, de frente para o
porto, tendo às costas o velho prédio do jornal A Noite. À
sombra de um grande fícus, deixou as ideias surgirem
anarquicamente.
Poucas pessoas considerariam a praça Mauá um lugar
adequado à reflexão, exceto ele e os mendigos. No começo era
visto com desconfiança, mas aos poucos eles foram se
acostumando a sua presença. Nunca frequentou a praça à noite,
respeitava a metamorfose produzida pelos frequentadores do
Scandinavia Night Club ou da Boite Florida.
Enquanto prestava minuciosa atenção ao movimento dos
guindastes no porto, deixou o pensamento emaranhar-se
livremente em sua própria trama. Formara, havia tempos, a ideia
de que momentos de solidão eram propícios à reflexão. Sentado
naquele banco, acabara por concluir que isso não se aplicava a si
próprio. A forma mais comum como transcorria sua vida mental
era a de um fluxo semienlouquecido de imagens acompanhado de
diálogos inteiramente fantásticos. Não se julgava capaz de uma
reflexão puramente racional, o que, para um policial, era no
mínimo embaraçoso.
Luiz Alfredo Garcia-Roza. O silêncio da chuva.
Companhia das Letras, 2005 (com adaptações).