Atenção: Para responder à questão, baseie-se no texto abaixo.
Encenação da morte
A vida nos quer, a morte nos quer. Somos o resultado da tensão ocasionada pelas duas forças que nos puxam. Esse equilíbrio
não é estável. Amplo, diverso e elástico é o campo de força da vida, e vale a mesma coisa para o campo da morte. Se ficamos
facilmente deprimidos ou exaltados é em razão das oscilações de intensidade desses dois campos magnéticos, sendo o tédio o
relativo equilíbrio entre os dois.
Às vezes é mais intensa a pressão da vida, outras vezes é mais intensa a pressão da morte. Não se quer dizer com isso que a
exaltação seja a morte e a depressão seja a vida. Há exaltações e exultações que se polarizam na morte, assim como há sistemas de
depressão que gravitam em torno da vida. O estranho, do ponto de vista biológico, é que somos medularmente solitários com ambos
os estados de imantação mais intensa, os da vida e os da morte. Não aproveitamos apenas a vida, mas usufruímos também as
experiências da morte, desde que essas não nos matem.
Ganhei várias vezes da morte, isto é, inúmeras vezes os papéis que a morte representou para mim não chegaram a ser
convincentes ou não chegaram a fazer grande sucesso. Matei várias mortes. (...) Mas outro dia dei dentro de mim com uma morte tão
madura, tão forte, tão irrespondível, tão parecida comigo que fiquei no mais confuso dos sentimentos. Esta eu não posso matar, esta é
a minha morte. O Vinícius de Moraes, que entende muito de morte, disse que nesse terreno há sempre margem de erro, e que talvez
eu tenha ainda de andar um bocado mais antes de encontrar a minha morte. Pode ser. Não sei. Quem sabe?
(Adaptado de CAMPOS, Paulo Mendes. Os sabiás da crônica. Antologia. Org. Augusto Massi. Belo Horizonte: Autêntica, 2021, p. 246-248,
passim)