TEXTO I
Presos que menstruam: descubra como é a vida
das mulheres nas penitenciárias brasileiras
Maria Aparecida lembrava uma avó. Uma dessas avós
imaginárias que cresceram com histórias de Dona
Benta. Cabelos grisalhos, ombros curvados, pele caída
de um jeito simpático ao redor dos olhos, expressão
bondosa. Ela estava sentada, quieta e isolada, no fundo
de um auditório improvisado na Penitenciária Feminina
de Santana, em São Paulo, quando desatou a contar
histórias da vida. Revelou que foi presa ao ajudar o genro
a se livrar de um corpo. A certa altura contou que tinha
apenas 57 anos. A cadeia havia surrado sua aparência,
ela envelhecera demais. Tinha criado 20 filhos, mas há
quase três anos não recebia nenhuma visita ou ajuda,
um Sedex sequer, e tinha que se virar com a bondade do
Estado. E a bondade do Estado com as presas sempre
esteve em extinção no Brasil. “Sabe, tem dia que fico
caçando jornal velho do chão para limpar a bunda”,
contou, sem rodeios.
Conversando com detentas como Maria, para meu livro
Presos que menstruam, lançado este mês pela Editora
Record, percebi que o sistema carcerário brasileiro trata
as mulheres exatamente como trata os homens. Isso
significa que não lembra que elas precisam de papel
higiênico para duas idas ao banheiro em vez de uma,
de Papanicolau, de exames pré-natais e de absorventes
internos. “Muitas vezes elas improvisam com miolo
de pão”, diz Heidi Cerneka, ativista de longa data da
Pastoral Carcerária.
A luta diária dessas mulheres é por higiene e dignidade.
Piper Chapman, protagonista da série Orange is the
New Black, cuja terceira temporada acabou de estrear
no Netflix, provavelmente não sobreviveria numa
prisão brasileira. Se a loira ficou abalada ao encarar as
prisões limpinhas dos Estados Unidos, como reagiria
às masmorras medievais malcheirosas e emboloradas
brasileiras, nas quais bebês nascem em banheiros
e a comida vem com cabelo e fezes de rato? As
prisões femininas do Brasil são escuras, encardidas,
superlotadas. Camas estendidas em fileiras, como as de
Chapman, são um sonho. Em muitas delas, as mulheres
dormem no chão, revezando-se para poder esticar as
pernas. Os vasos sanitários, além de não terem portas,
têm descargas falhas e canos estourados que deixam
vazar os cheiros da digestão humana. Itens como
xampu, condicionador, sabonete e papel são moeda
de troca das mais valiosas e servem de salário para as
detentas mais pobres, que trabalham para outras presas
como faxineiras ou cabeleireiras.
[...]
QUEIROZ, Nana. Revista Galileu.
Disponível em: <https://glo.bo/2J0sGYq>. Acesso em: 23 maio
2018 (Fragmento adaptado).