Leia os textos e responda a questão.
TEXTO I
Cientistas americanos estudam o caso de uma mulher portadora de uma rara condição, em resultado da qual ela não
tem medo de nada.(Folha de S. Paulo, 17 de dezembro de 2010. Cotidiano)
TEXTO II
A mulher sem medo
MOACYR SCLIAR
Ele não sabia o que o esperava quando, levado mais pela curiosidade do que pela paixão, começou a namorar a
mulher sem medo. Na verdade havia aí também um elemento interesseiro; tinha um projeto secreto, que era o de
escrever um livro chamado "A Vida com a Mulher sem Medo", uma obra que, imaginava, poderia fazer enorme sucesso,
trazendo-lhe fama e fortuna. Mas ele não tinha a menor ideia do que viria a acontecer.
Dominador, o homem queria ser o rei da casa. Suas ordens deveriam ser rigorosamente obedecidas pela mulher.
Mas como impor sua vontade? Como muitos ele recorria a ameaças: quero o café servido às nove horas da manhã,
senão... E aí vinham as advertências: senão eu grito com você, senão eu bato em você, senão eu deixo você sem
comida.
Acontece que a mulher simplesmente não tomava conhecimento disso; ao contrário, ria às gargalhadas. Não
temia gritos, não temia tapas, não temia qualquer tipo de castigo. E até dizia, gentil: "Bem que eu queria ficar assustada
com suas ameaças, como prova de consideração e de afeto, mas você vê, não consigo."
Aquilo, além de humilhá-lo profundamente, deixava-o completamente perturbado. Meter medo na mulher
transformou-se para ele em questão de honra. Tinha de vê-la pálida, trêmula, gritando por socorro.
Como fazê-lo? Pensou muito a respeito e chegou a uma conclusão: para amedrontá-la só barata ou rato.
Resolveu optar pela barata, por uma questão de facilidade: perto de onde moravam havia um velho depósito
abandonado, cheio de baratas. Foi até lá e conseguiu quatro exemplares, que guardou num vidro de boca larga.
Voltou para casa e ficou esperando que a mulher chegasse, quando então soltaria as baratas. Já antegozava a
cena: ela sem dúvida subiria numa cadeira, gritando histericamente. E ele enfim se sentiria o vencedor.
Foi neste momento que o rato apareceu. Coisa surpreendente, porque ali não havia ratos, sobretudo um roedor
como aquele, enorme, ameaçador, o Rei dos Ratos. Quando a mulher finalmente retornou encontrou-o de pé sobre uma
cadeira, agarrado ao vidro com as baratas, gritando histericamente.
Fazendo jus à fama ela não demonstrou o menor temor; ao contrário, ria às gargalhadas. Foi buscar uma
vassoura, caçou o rato pela sala, conseguiu encurralá-lo e liquidou-o sem maiores problemas. Feito que ajudou o
homem, ainda trêmulo, a descer da cadeira. E aí viu que ele segurava o vidro com as quatro baratas. O que deixou-a
assombrada: o que pretendia ele fazer com os pobres insetos? Ou aquilo era um novo tipo de perversão?
Àquela altura ele já nem sabia o que dizer. Confessar que se tratava do derradeiro truque para assustá-la seria
um vexame, mesmo porque, como ele agora o constatava, ela não tinha medo de baratas, assim como não tivera medo
do rato. O jeito era aceitar a situação. E admitir que viver com uma mulher sem medo era uma coisa no mínimo
amedrontadora.