Para a questão, leia o texto abaixo, de Walcyr
Carrasco.
A exposição da intimidade
A exposição da vida pessoal se tornou tão comum que
parece até estranho quando alguém é diferente
Sempre me surpreendo como hoje em dia as pessoas têm
coragem de exibir a intimidade. Como têm prazer em se
expor. Talvez eu seja conservador. Não entendo o motivo pelo qual o ex-jogador Edmundo e o promoter David Brazil posaram, no último Carnaval, para fotos simulando coito anal. Vestidos, friso bem. Ninguém pense que se tratou de uma saída do armário de Edmundo. Pelo contrário, ainda deu uma declaração para lá de preconceituosa. Disse que já fez muito sexo com homossexuais, mas que não é um deles porque sempre foi o homem da relação. (Para ser franco, estou “traduzindo” a frase. Foi muito,
muito mais chula.) A troco do que alguém se presta a esse
papel? Talvez seja a saudade dos tempos em que era
glorificado quando entrava em campo. Voltar a sentir o
gosto da fama para quem já não está na constelação dos
famosos pode ser uma explicação. Não é a única. O que
levaria Brad Pitt, astro consagrado, a declarar, como fez
recentemente no programa CBS this morning, nos Estados
Unidos:
– Angelina (Jolie) é uma garota malvada na intimidade.
Deliciosamente malvada.
A imprensa passou dias comentando que o casal é “quente”...
Atores que ganham milhões de dólares por filme e estão
em todas as revistas do mundo precisam disso?
Talvez a ex-BBB Mayra Cardi precise. Falou sobre o uso de
acessórios eróticos na rádio FM O Dia. Lembro que fiz
uma reportagem sobre um dos primeiros sex shops abertos
em São Paulo. Faz um tempão. Na época, quem frequentava sex shops era discreto. Acho que na intimidade
tudo é válido. Antes, intimidade era intimidade. Ou seja,
algo que acontecia dentro de uma relação. Poderia ser a
troca de segredos entre amigos, simplesmente. As
conversas entre pais e filhos. A loucura de um encontro
sexual. Ou o cotidiano de um amor. Algo privado, relacionado
somente com os envolvidos. Para muitos, a base do amor.
A palavra intimidade era sempre associada à delicadeza.
A exposição da vida pessoal se tornou tão comum que parece
até estranho quando alguém é diferente
Há quem até venda seus momentos mais particulares. Tornouse comum a negociação entre atores famosos e
patrocinadores nos festejos importantes. Uma atriz
conhecida ganhou a festa de casamento inteira para dar
exclusividade a uma publicação. Tudo bem, todo mundo
tem direito de fazer negócios. Mas o casamento não deveria
ser um momento único, de emoção? Ao contrário,
recentemente um ator conhecido separou-se de uma estrela
de televisão. Lamentava-se:
– Já tínhamos acertado a viagem para Veneza, onde seria o
noivado! Tudo patrocinado! E tivemos de voltar atrás!
Festas pessoais com patrocinadores já se tornaram comuns.
Para muitos famosos, ou em ascensão, desvendar a
intimidade faz parte do jogo. Trata-se da famosa permuta.
É tão comum que o apresentador Otávio Mesquita certa
vez se saiu com esta frase afiada:
– Não posso ter mais filhos!
– Que aconteceu?
– O ginecologista da minha mulher não faz mais permuta.
Rimos. Debochava de seus pares, que vivem quase
exclusivamente do escambo entre a fama e tudo o que é
de graça, de restaurantes a cirurgiões plásticos.
A exposição da vida pessoal tornou-se tão comum que se
estranha quando alguém é diferente. A atriz Carolina
Dieckmann chegou a ganhar fama de chata por se rebelar
contra o programa Pânico na TV, então na Rede TV, em
2006. Carolina recusou-se a participar de um quadro
chamado “Sandálias da humildade”. Os repórteres do
programa foram a seu condomínio de megafone e com um
guindaste, com a intenção de gravar através da janela de
seu apartamento. A atriz entrou com um processo – e venceu.
Não pode mais ser abordada pelos repórteres do programa.
Carolina tem o direito de preservar sua vida pessoal.
Chegaram a acusá-la de reacionária, de querer a volta da
censura. Talvez por ter ido contra a maré. Já que muitas de
suas colegas no mundo luminoso das estrelas divulgam
cada início de namoro, as crises, o fim e, é claro, o recomeço,
com novo eleito. Só falta descreverem a cor das cuecas e
da lingerie. Quem sabe ninguém ainda perguntou. Toda
pessoa tem o direito de defender sua privacidade, seja
famosa ou não. E de não expor a família e a vida.
Uma das mais conhecidas frases do teatrólogo Nelson
Rodrigues é: “Se todos conhecessem a intimidade sexual
uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém”. Está
se tornando ultrapassada. Ninguém mais se assusta com
a intimidade, principalmente dos famosos. Tornou-se uma
forma de atrair os holofotes sobre si. E me assusto ao
pensar no que ainda vem por aí.