Texto I
Encontro
Com atenção não seria difícil descobrir pequenas
mudanças: os cabelos mais claros, e entretanto com menos luz
e vida; a boca pintada com um desenho diferente, e o batom
mais escuro. Impossível negar uma tênue, fina ruga – quase
estimável. Mas naquele instante, diante da amiga amada que
não via há muito tempo, não eram essas pequenas coisas que
intrigavam o seu olhar afetuoso e melancólico. Havia certa
mudança imponderável, e difícil de localizar – a voz ou o jeito
de falar, o tom ao mesmo tempo mais desembaraçado e mais
sereno?
E mesmo no talhe do corpo (o pequeno cinto vermelho
era, pensou ele, uma inabilidade: aumentava-lhe a cintura), na
relação entre o corpo e os membros, havia uma sutil mudança.
Sim, ela estava mais elegante, mais precisa em seu
desenho, mas perdera alguma indizível graça elástica do
tempo em que não precisava fazer regime para emagrecer
e era menos consciente de seu próprio corpo, como que o
abandonava com certa moleza, distraída das próprias linhas
e dos gestos cuja beleza imprevista ele fora descobrindo
devagar, com uma longa delícia.
Por um instante, enquanto conversava com outras pessoas
presentes assuntos sem importância, ele tentou imaginar que
impressão teria agora se a visse pela primeira vez, se aquela
imagem não estivesse, dentro de seus olhos e de sua alma,
fundida a tantas outras imagens dela mesma perdidas no
espaço e no tempo. Não tinha dúvida de que a acharia muito
bonita, pois ela continuava bela, talvez mais bem vestida; não
tinha dúvida mesmo de que, como da primeira vez que a vira,
receberia sua beleza como um choque, uma bênção e um
leve pânico, tanto a sua radiosa formosura dá uma vida e um
sentido novo a qualquer ambiente, traz essa vibração especial
que só certas mulheres realmente belas produzem. Mas de
algum modo esse deslumbramento seria diferente do antigo –
como se ela estivesse mais pessoa, com mais graça e finura de
mulher, menos graça e abandono de animal jovem.
O grupo moveu-se para tomar lugar em uma mesa no
fundo do bar. Ele andou a seu lado um instante (como tinham
andado lado a lado!) mas não quis sentar, recusou o convite
gentil, sentia-se quase um estranho naquela roda. Despediuse.
E quando estendeu a mão àquela que tanto amara, e
recebeu, como antigamente, seu olhar claro e amigo, quase
carinhoso, sentiu uma coisa boa dentro de si, uma certeza de
que nem tudo se perde na confusão da vida e que uma vaga
mas imperecível ternura é o prêmio dos que muito souberam
amar.
(BRAGA, Rubem. O verão e as mulheres. Rio de Janeiro, ed.
Record, 10ª ed., 2008)