Por que feijão está sumindo do prato dos brasileiros?
Os brasileiros estão perdendo o hábito de comer feijão
diariamente, em meio a mudanças culturais, avanço
dos alimentos ultraprocessados e aumento de preços
do produto.
Seguindo a tendência dos últimos anos, o feijão
deixará de ser consumido de forma regular – de 5 a 7 dias na semana – em 2025, conforme estudo do
Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da
Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade
Federal de Minas Gerais).
A partir daquele ano, a maior parte dos brasileiros
passará a comer o alimento símbolo nacional com
frequência considerada irregular (1 a 4 dias), de
acordo com a pesquisa.
A perda de espaço do feijão no prato nacional, e sua
substituição por alternativas menos saudáveis, tem
consequências para a segurança alimentar e para a
saúde da população.
Segundo o levantamento da UFMG, não consumir
feijão está associado a uma chance 10% maior de
desenvolver excesso de peso e 20% maior de
obesidade, em relação à parcela da população que
consome o produto com alguma frequência.
A importância histórica, nutricional e social do feijão
"O feijão surgiu de uma miscigenação das nossas
heranças culinárias", observa a nutricionista Fernanda
Serra Granado, que pesquisou o tema em seu
doutorado na UFMG.
Segundo ela, a leguminosa já era um alimento nativo
na América, conhecido pelos indígenas, que
consumiam os grãos sem caldo, mesmo antes da
colonização portuguesa.
Os portugueses acrescentaram o caldo, uma solução
encontrada pelas senhoras europeias para umedecer a
comida nativa, que elas consideravam muito seca.
Trazidos ao Brasil escravizados, os africanos também
consumiam o alimento, adicionando seus saberes ao
preparo.
Mas a construção do feijão como um símbolo nacional
só vai acontecer bem mais para frente, durante o
Modernismo Brasileiro dos anos 1920.
"Aí ele é expresso em poesia, em músicas e é
reconhecido como esse símbolo identitário da nossa
tradição culinária", diz Granado. Em termos
nutricionais, o feijão é rico em proteínas e minerais,
incluindo o ferro, além das vitaminas C e do complexo
B (à exceção da B12, de origem animal) e fibras
solúveis e insolúveis, importantes para o bom
funcionamento da digestão.
"Além de ter um excelente perfil nutritivo e ser
importante para manutenção da saúde da população,
o feijão é um marcador de qualidade da dieta", afirma
a pesquisadora.
"Isso porque o indivíduo, quando consome feijão,
acaba complementando o prato com outros alimentos
saudáveis, como arroz, vegetais, salada e uma
proteína animal. Então, em geral, o feijão é um dos
componentes de uma refeição nutricionalmente
equilibrada."
O que explica a queda de consumo nos últimos anos
Mudanças culturais e o avanço dos ultraprocessados
– alimentos calóricos e de baixo valor nutricional –
estão no centro da redução do consumo de feijão,
segundo a pesquisadora.
"Na década de 1980, há a entrada das grandes
transnacionais de alimentos no Brasil e o avanço da
participação das mulheres no mercado de trabalho, o
que causa uma modificação no perfil de consumo da
população, com os ultraprocessados sendo
percebidos como uma solução prática para o dia a
dia", observa a nutricionista.
"Com o passar do tempo, há também uma perda de
práticas culinárias, da habilidade em si de preparar os
alimentos, com a tradição de receitas que passavam
entre gerações que começa a se perder."
Um terceiro fator que pesa na redução de consumo do
feijão é o aumento de preços do produto, observa a
especialista.
Em 11 anos, entre janeiro de 2012 e janeiro de 2023, o
feijão carioca acumula alta de preços de 122% e o
feijão preto, de 186%, comparado a uma inflação geral de 89% no período, segundo o IPC (Índice de Preços
ao Consumidor) da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Ou seja, em pouco mais de uma década, o feijão
carioca dobrou de preço e o feijão preto, quase
triplicou.
Um dos fatores que explica esse encarecimento é a
perda de espaço da produção agrícola de feijão para
commodities como a soja e o milho, explica Granado.
Segundo dados da Conab (Companhia Nacional de
Abastecimento), a área plantada de feijão no Brasil na
safra 2022-2023 deverá ser de apenas 859 mil
hectares, a menor da série histórica com início em
1976. O número representa uma redução de 65% em
relação ao momento de auge, na safra 1981/1982.
"O produtor acaba abandonando a produção de feijão
e outros alimentos que possuem valor agregado
menor em comparação a commodities como soja e
milho, que têm safras muito mais lucrativas, com
demanda internacional", observa Granado.
Por fim, com relação à queda maior do consumo entre
as mulheres, a especialista avalia que isso pode ser
fruto da dupla jornada, que pode estar fazendo com
que elas optem com mais frequência pela
conveniência dos ultraprocessados.
(Por Thais Carrança - BBC News Brasil em São Paulo.
Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c90935j2k8
go).