Uma epidemia silenciosa
No Brasil, estima-se que 25 pessoas cometam suicídio por
dia e a tendência é de crescimento entre jovens
Mônica Tarantino
A morte do músico Champignon (Luiz Carlos Leão
Duarte Junior, 35), ex-baixista da banda Charlie Brown Jr,
registrada pela polícia como suicídio, abriu espaço para o
tema nas primeiras páginas dos jornais, no noticiário da
tevê, nas redes sociais.
O interesse no caso de Champignon, entretanto, está
muito aquém da mobilização e das providências urgentes
que o tema suscita. Suicídio é um problema de saúde
pública a ser encarado como tal.
No Brasil, estima-se que 25 pessoas cometam suicídio
por dia. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a
tendência é de crescimento dessas mortes entre os jovens,
especialmente nos países em desenvolvimento. Nos últimos
vinte anos, o suicídio cresceu 30% entre os brasileiros com
idades de 15 a 29 anos, tornando-se a terceira principal
causa de morte de pessoas em plena vida produtiva no País
(acidentes e homicídios precedem). No mundo, cerca de um
milhão de pessoas morrem anualmente por essa causa. A
OMS estima que haverá 1,5 milhão de vidas perdidas por
suicídio em 2020, representando 2,4% de todas as mortes.
Em muitos países, programas de prevenção do suicídio
passaram a fazer parte das políticas de saúde pública. Na
Inglaterra, o número de mortes por suicídio está caindo
em consequência de um amplo programa de tratamento
de depressão. Ações semelhantes protegem vidas nos
Estados Unidos. Um dos focos desses programas é
diagnosticar precocemente doenças mentais. De acordo
com uma recente revisão de 31 artigos científicos sobre
suicídio, mais de 90% das pessoas que se mataram tinham
algum transtorno mental como depressão, esquizofrenia,
transtorno bipolar e dependência de álcool ou outras
drogas.
No Brasil, porém, persiste a falta de políticas públicas
para prevenção do suicídio, com o agravo da passagem
do tempo e do aumento populacional. Em 2006, o governo
formou um grupo de estudos para traçar as diretrizes de um
plano nacional de prevenção do suicídio, prometido para
este ano. O que temos até então é um manual destinado a
profissionais da saúde. O nome do documento é Prevenção
do Suicídio - Manual dirigido a profissionais das equipes de
saúde mental.
Reduzir o suicídio é um desafio coletivo que precisa
ser colocado em debate. “Nossa resposta não pode ser
o silêncio. Nossas chances de chegar às pessoas que
precisam de ajuda dependem da visibilidade”, disse-me o
psiquiatra Humberto Corrêa para um artigo sobre suicídio
publicado pela corajosa revista Planeta (Suicídio aumenta
no Brasil, mas isso poderia ser evitado, edição 421, Outubro
de 2007). “Uma das nossas tarefas é convencer donas de
casa, pais, educadores, jornalistas, publicitários, líderes
comunitários e formadores de opinião de que o debate
sobre o suicídio não é uma questão moral ou religiosa, mas
um assunto de saúde pública e que pode ser prevenido. Aceitar essa ideia é o primeiro passo para poupar milhares
de vidas”, alertava o especialista.
Penso nos casos ocorridos no meu círculo de relações
e de que nunca esqueci. No primeiro ano da escola de
jornalismo, um colega de sala, Zé Luiz, se matou bebendo
querosene. Tinha 18 anos, era inteligente, crítico, um tanto
irônico. Há alguns anos, o filho adolescente de um amigo
pulou pela janela, deixando-o perplexo por nunca ter visto
qualquer sinal de que isso poderia acontecer. Também se
matou, aos 20 anos, a filha de uma jornalista e socióloga
com quem trabalhei. A história virou filme pelas mãos de sua
irmã Petra Costa. Lançado em 2012, “Elena” é um mergulho
profundo nas memórias, sentimentos e questionamentos,
enfim, em toda complexidade e perpetuidade do suicídio
de uma pessoa amada. Mais recentemente, me admiro com
a coragem de uma amiga próxima em busca do equilíbrio
após o suicídio inesperado do companheiro. Sim, prevenir
o suicídio é um assunto que interessa. Danem-se os tabus.
http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/coluna/324253_UMA+EPIDEMIA+SILENCIOSA.
(Adaptado)