A polícia suburbana
Noticiam os jornais que um delegado inspecionando, durante uma noite destas, algumas delegacias suburbanas, encontrou-as
às moscas, comissários a dormir e soldados a sonhar.
Dizem mesmo que o delegado-inspetor surrupiou objetos para pôr mais à mostra o descaso dos seus subordinados.
Os jornais, com aquele seu louvável bom senso de sempre, aproveitaram a oportunidade para reforçar as suas reclamações
contra a falta de policiamento nos subúrbios.
Leio sempre essas reclamações e pasmo. Moro nos subúrbios há muitos anos e tenho o hábito de ir para casa alta noite.
Uma vez ou outra encontro um vigilante noturno, um policial e muito poucas vezes é-me dado ler notícias de crimes nas
ruas que atravesso.
A impressão que tenho é de que a vida e a propriedade daquelas paragens estão entregues aos bons sentimentos dos
outros e que os pequenos furtos de galinhas e coradouros não exigem um aparelho custoso de patrulhas e apitos.
Aquilo lá vai muito bem, todos se entendem livremente e o Estado não precisa intervir corretivamente para fazer respeitar
a propriedade alheia.
Penso mesmo que, se as coisas não se passassem assim, os vigilantes, obrigados a mostrar serviço, procurariam meios e
modos de efetuar detenções, e os notívagos, como eu, ou os pobres-diabos que lá procuram dormida, seriam incomodados,
com pouco proveito para a lei e para o Estado.
Os policiais suburbanos têm toda a razão. Devem continuar a dormir. Eles, aos poucos, graças ao calejamento do ofício, se
convenceram de que a polícia é inútil.
Ainda bem.
(BARRETO, Lima. Disponível em: https://cronicabrasileira.org.br. Acesso em: 28/02/2024.)