Caixa de sapato
“Preciso de um tempo.” Foi o que ela disse...Ou melhor, foi o que ela quis dizer.
Nas entrelinhas do que escreveu, estava lá: me dê um tempo. Motivo, ou desculpa, também havia. Não chamaria de motivo
bobo; pelo contrário, era um motivo que eu respeitava, assim como respeitaria qualquer decisão dela.
O problema é que eu estava cego... Cego de amor. Confesso que mesmo que parecesse tão claro o que aconteceria em
seguida, ainda me restou uma dúvida, uma esperança. Foi como se ela me jogasse de um precipício, mas segurasse uma de
minhas mãos enquanto eu estava pendurado; e a esperança de que ela me desse sua outra mão, e me puxasse de volta, não
passou de uma ilusão. Eu caí.
Talvez o problema tenha sido eu, mas não me arrependo de nada que fiz.
A todo momento fui sincero sobre o que sentia; mas talvez ela devesse ter dito a verdade logo de uma vez: foi lindo o que
aconteceu com a gente, mas não dá mais. Me pouparia do sofrimento e a pouparia de usar uma desculpa.
“Eu te amo”, ela disse. Mas um amor como ela descrevia não se acabaria em dias, em semanas. Pensava comigo mesmo:
“talvez eu não fosse bom pra ela”, mas esse não é o ponto. Tudo o que fiz foi tratá-la com respeito, com afeto, com amor; mas
parece que, pra ela, eu fui só mais um.
Ela precisava de um tempo, e eu dei esse tempo, mesmo eu não querendo isso. Mas foi o melhor a se fazer.
De que adiantaria tê-la ao meu lado, se o que, ou quem, ela queria não estava ali? Eu mesmo respondo: nada.
Eu apenas estaria me enganando.
“Nunca vou esquecer o que aconteceu com a gente, o nosso amor”; não, farei o possível para esquecer, porque, por mais
lindo que tenha sido, aquela gota de esperança que ela deixou pingar sobre mim, me machucou ainda mais hoje.
Guardei os bons momentos em uma caixa, e essa caixa... Bem, essa caixa sempre estará ali, quando quiser me lembrar de
tudo; mas, como uma caixa de sapato, que guardamos no fundo de um armário, e esquecemos lá, espero que o mesmo aconteça
com essas lembranças.
O amor? Não o culpo, mas quero esquecer. Não por raiva, não por ódio a ele, mas por mim, pra que eu possa me sentir
bem. Apesar de o amor ser aquilo que nos mantêm vivos, eu não estaria vivo por dentro mesmo que eu quisesse. Eu a amei
incondicionalmente, com todas as minhas verdades, mas se não era o suficiente: paciência.
Quem sabe, um dia, encontrar alguém para quem o que eu tenho a oferecer realmente valha a pena, alguém que me ame
da mesma forma. Até lá desejo a ela toda felicidade do mundo, e pra mim... Bom, pra mim eu desejo que cada dia mais aquelas
lembranças sejam esquecidas, e que todas as palavras ditas e digitadas voem pelo ar, e se dispersem com o vento, e, além disso,
felicidade plena, aguardando, não desesperadamente, mas sim que inevitavelmente ela apareça; não qualquer uma, mas aquela
que Deus modelou.
(TROVA, Vitor. Pensador, Crônicas para se ler em qualquer lugar, 2022. Adaptado.)