Trabalho é dignidade, e não exploração
Número de denúncias de trabalho análogo à escravidão bate recorde em 2023. O próximo passo
é punir com rigor uma das práticas mais cruéis da história da humanidade.
O Brasil registrou o maior número de denúncias de trabalho análogo à escravidão da história em 2023. A quantidade de
notificações cresce a cada ano, à medida que mais pessoas se conscientizam sobre esse crime e os canais de denúncia são
difundidos. O passo seguinte deve ser a maior fiscalização e a punição severa dos autores.
Foram 3.422 denúncias em 12 meses em todo o país, 61% a mais do que em 2022. Minas Gerais é o segundo Estado com
o maior número de pessoas resgatadas no ano passado, com 632 vítimas.
O trabalho análogo à escravidão é objetivamente definido pelo Código Penal brasileiro, em seu artigo 149. Caracteriza-se
pela condição degradante de trabalho, em que há a restrição da locomoção do indivíduo em razão de dívida contraída com seu
empregador.
Mesmo com a clara tipificação legal, os perpetradores aproveitam do desconhecimento de grande parte dos cidadãos
sobre seus direitos trabalhistas. A falta de instrução aliada à condição de pobreza e fome contribuem para que milhares de
pessoas se tornem presas fáceis para os chamados “gatos”, responsáveis por aliciar as vítimas.
A prática é facilitada ainda pelas brechas na fiscalização. Auditores denunciam constantemente a falta de estrutura, de
valorização e de articulação entre os órgãos no combate ao trabalho análogo à escravidão.
Por fim, deve haver avanço na punição dos infratores. Nada repara a dignidade nem devolve o tempo perdido por uma
vítima que teve a liberdade cerceada. Porém, é preciso fazer doer no bolso dos autores. Lamentavelmente, as multas aplicadas
muitas vezes não correspondem à gravidade do trabalho análogo à escravidão, uma das práticas mais bárbaras da humanidade.
Há casos em que as indenizações são menores do que as pagas a um passageiro que teve a mala extraviada por uma
companhia aérea.
Cabe ainda debater a expropriação de terras onde for comprovado esse tipo de exploração. Acima de tudo, o combate ao
trabalho análogo à escravidão passa por uma mudança de mentalidade colonial, que persiste no país.
(Disponível em: https://www.otempo.com.br/opiniao/editorial/. Acesso em: 20/01/2024.)