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DE VESTIDO DE ONCINHA E PLUMAS
Por Martha Medeiros – Jornal Zero Hora – 27/11/11
Temos o direito de ficar ressabiados por postarem nossas fotos pré-históricas sem nos consultar?
Outro dia aconteceu algo que me deixou sem saber direito o que pensar. Um caso corriqueiro, mas novidade pra mim. Quando era
publicitária, trabalhei por três meses numa agência. Estamos falando do ano de 1984 – ou seja, 27 anos atrás.
Pois uma ex-colega da agência postou essa semana, no blog de uma confraria da qual faz parte, uma foto daquela época, onde
apareço numa festa à fantasia. Uma homenagem que ela me fez, sem nenhuma intenção difamatória. Nem estou tão medonha na foto, apesar
do cabelo estilo Dallas, o vestido de oncinha e a echarpe de plumas negras. Foi a primeira festa à fantasia que fui. E a última.
Me garantiram que o blog é acessado por pouquíssimas pessoas. As confrades estavam crentes de que eu iria me comover. Mas,
nascida com vários defeitos de fabricação, não me comovi. Em vez disso, considerei que a titular do blog poderia ter pedido autorização para
publicar uma foto minha de 27 anos atrás. Seria atencioso da parte dela. Mas devo estar variando: quem pede licença antes de postar foto dos
outros?
Lembrei de uma discussão que testemunhei entre duas amigas: uma delas havia ficado chateada por a outra ter postado a foto do seu
chá de panela, onde ela aparecia completamente descomposta, mas descomposta de uma maneira que só quem já foi num chá de panela sabe
que é possível.
Já a outra amiga defendia o seu direito de postar o que quisesse, e de julgar ela mesma o que era descompostura e o que era apenas
uma foto engraçada. De fato, era uma foto engraçada. Lembro que pensei: “Quá, quá, quá, que engraçado – ainda bem que não sou eu”.
Agora sou eu. E se ainda não chegou sua vez, aguarde.
Tenho plena consciência de que cada vez que tiro foto com um leitor numa sessão de autógrafos, aquela foto estará no Facebook em
poucos segundos. Tudo bem. Meu trabalho faz com que me exponha e sei que não há controle sobre a propagação de imagens.
E mesmo quando não é um evento profissional, tudo bem também: ao viajar com amigos ou ir a um churrasco, sei que serei fotografada
junto ao grupo e logo estarei num álbum virtual, para quem quiser espiar. Qualquer pessoa que se deixe fotografar, hoje, sabe que é assim. Se
quiser discrição, melhor evaporar na hora do clique.
Não tive essa prerrogativa em 1984. Naquela época, nem em meus devaneios mais premonitórios poderia supor que o conceito de
privacidade em breve estaria condenado à morte e que o “cá entre nós” seria substituído pelo “cá entre todos”.
Por isso, a dúvida: temos o direito de ficar ressabiados por postarem nossas fotos pré-históricas sem nos consultar ou dá no mesmo
se a foto foi tirada 27 anos atrás ou ontem à noite? Suspeito que estou sendo preciosista. Vaidosa. Tá bom: chata. Mas queria compartilhar
essa indagação.
Quanto à ex-colega, sem mágoas. Assimilei. Nenhum problema de eu circular pela internet de oncinha e plumas. Ao menos estou
vestida, ufa.
Disponível em https://avaranda.blogspot.com/2011/11/de-vestido-de-oncinha-e-plumas-martha.html.