A FUGA
Mal o pai colocou o papel na máquina, o menino
começou a empurrar uma cadeira pela sala, fazendo um
barulho infernal.
- Para com esse barulho, meu filho – falou, sem se
voltar.
Com três anos já sabia reagir como homem ao impacto
das grandes injustiças paternas: não estava fazendo
barulho, estava só empurrando uma cadeira.
- Pois então para de empurrar a cadeira.
- Eu vou embora - foi a resposta.
Distraído, o pai não reparou que ele juntava ação às
palavras, no ato de juntar do chão suas coisinhas,
enrolando-as num pedaço de pano. Era a sua bagagem:
um caminhão de plástico com apenas três rodas, um resto
de biscoito, uma chave (onde diabo meteram a chave da
despensa – a mãe mais tarde irá dizer), metade de uma
tesourinha enferrujada, sua única arma para a grande
aventura, um botão amarrado num barbante.
A calma que baixou então na sala era vagamente
inquietante. De repente, o pai olhou ao redor e não viu o
menino. Deu com a porta da rua aberta, correu até o
portão:
- Viu um menino saindo desta casa? – gritou para o
operário que descansava diante da obra do outro lado da
rua, sentado no meio-fio.
- Saiu agora mesmo com uma trouxinha – informou
ele.
Correu até a esquina e teve tempo de vê-lo ao longe,
caminhando cabisbaixo ao longo do muro. A trouxa,
arrastada no chão, iam deixando pelo caminho alguns de
seus pertences: o botão, o pedaço de biscoito e - saíra de
casa prevenido - uma moeda de 1 cruzeiro. Chamou-o,
mas ele apertou o passinho, abriu a correr em direção à
Avenida, como disposto a atirar-se diante do ônibus que
surgia à distância.
- Meu filho, cuidado!
O ônibus deu uma freada brusca, uma guinada para
a esquerda, os pneus cantaram no asfalto. O menino,
assustado, arrepiou carreira. O pai precipitou-se e o
arrebanhou com o braço como a um animalzinho:
- Que susto você me passou, meu filho – e apertavao contra o peito, comovido.
- Deixa eu descer, papai. Você está me machucando.
Irresoluto, o pai pensava agora se não seria o caso
de lhe dar umas palmadas:
- Machucando, é? Fazer uma coisa dessas com seu
pai.
- Me larga. Eu quero ir embora.
Trouxe-o para casa e o largou novamente na sala –
tendo antes o cuidado de fechar a porta da rua e retirar a
chave, como ele fizera com a da despensa.
- Fique aí quietinho, está ouvindo? Papai está
trabalhando.
- Fico, mas vou empurrar esta cadeira. E o barulho
recomeçou.
SABINO, Fernando. A vitória da infância. São Paulo, Ática, 1995. p. 43