Para responder à questão, leia o texto a seguir.
Viciados em remédios
A máquina de propaganda da indústria farmacêutica, a
irresponsabilidade de muitos médicos e a ignorância dos usuários
criaram um novo tipo de vício, tão perigoso quanto o das drogas
ilegais: a farmacodependência
Um dia, sem querer, você abre uma das gavetas do
seu filho adolescente e encontra um cigarro de maconha. A
sensação é de decepção, medo, angústia, seguida da terrível
constatação: “Meu filho é um drogado”. Enquanto torce
mentalmente para que ele não esteja viciado, você, sem
perceber, se vê abrindo a gaveta de remédios para retirar o
calmante que usa nos momentos de tensão, antevendo a
inevitável e difícil conversa que precisará travar quando ele
chegar. É nessa gaveta de medicamentos que você encontra
o alívio para o corpo e a alma. São analgésicos para a dor,
ansiolíticos para relaxar, anti-inflamatórios e até mesmo
comprimidos de anfetamina usados para conter o apetite
que tantas vezes você não consegue controlar
naturalmente. Em meio ao nervosismo, você não se dá
conta de que alguns desses remédios ingeridos diariamente
podem causar mais danos e dependência que as substâncias
que você conhece como “drogas ilícitas”.
Esteja certo: se um químico fizesse uma análise fria
das substâncias encontradas na sua gaveta e na do seu filho,
o garoto não seria o único a precisar de uma conversa séria
sobre o perigo de se amparar em muletas psicoativas.
“Do ponto de vista científico, não há diferença
entre um dependente de cocaína e um viciado em remédios
que contêm anfetamina”, diz o psiquiatra Dartiu Xavier da
Silveira, coordenador do Programa de Orientação e
Assistência a Dependentes (Proad), da Universidade Federal
de São Paulo. “Droga é droga, não importa se ela foi
comprada num morro ou numa farmácia dentro de um
shopping.” Se é assim, como explicar a extrema intolerância
social diante das drogas ilícitas acompanhada de uma
permissividade leviana diante de drogas prescritas pelos
médicos (que coloca o Brasil no quinto lugar em consumo de
medicamentos)? Afinal, precisamos mesmo de tantos
remédios?
Segundo a maioria dos especialistas, a resposta é
não. Apesar dos problemas de saúde da maioria dos
brasileiros pobres, que mal conseguem ter acesso a
alimentos básicos, e das doenças comuns entre a classe
média e os ricos, o uso abusivo e irregular de medicamentos cresce numa velocidade preocupante. O número de
farmácias per capita no país é um bom indicador do
problema. Há uma drogaria para cada 3 mil habitantes, mais
que o dobro do recomendado pela Organização Mundial de
Saúde. Ou seja: há mais pontos de venda de remédios no
Brasil do que de pão — são 54 mil farmácias contra 50 mil
padarias. Drogas químicas podem ser compradas por
telefone e pela internet, com ou sem receita médica.
Balconistas diagnosticam doenças e “tratam” pessoas com
remédios da moda, dos analgésicos às pílulas contra
impotência.
O resultado é alarmante: segundo dados do Sistema
Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), o
Brasil teve 22.121 casos de intoxicação, no ano de 2000,
provocados pelo uso indevido de remédios, quase um terço
de todos os casos registrados. “E isso é só a ponta do
iceberg”, diz Rosany Bochner, coordenadora da instituição.
“Como não recebemos informações de todos os estados e
nem sempre os médicos assumem os erros de prescrição,
esse número deve ser pelo menos quatro vezes maior.” Se
ela estiver certa, o número de casos no Brasil passaria dos
100 mil. Nos Estados Unidos, onde a situação é bem mais
grave, 1 milhão de pessoas são intoxicadas por
medicamentos todos os anos. Com dados tão alarmantes,
você deve estar se perguntando por que a população de lá
não pressiona o seu governo a usar parte da fortuna usada
no combate às drogas ilegais (no ano de 2000, foram 39
bilhões de dólares) em campanhas de prevenção de
intoxicação por medicamentos. Boa pergunta.
Boa pergunta.
“É que a gravidade desses dados termina sendo
mascarada nas estatísticas”, diz a coordenadora do Sinitox.
Ela explica que as pesquisas norte-americanas, por exemplo,
classificam os casos de intoxicação por tipo de
medicamento, separando analgésicos de antidepressivos e
assim por diante. “Somados, os medicamentos também são
a maior causa de intoxicação por lá”, diz Rosany. “Mas,
devido a essa classificação, são os produtos de limpeza que
aparecem como vilões em primeiro lugar, já que estão
agrupados numa única categoria.”
Enquanto prevalece uma estranha cortina de
silêncio sobre o problema, milhares de pessoas que ingerem
medicamentos correm, sem saber, risco de se tornarem
dependentes. Um problema que conta com a
irresponsabilidade de alguns médicos e os interesses
bilionários de uma das mais poderosas forças econômicas
mundiais: a indústria farmacêutica.
(super.abril.com.br)