Texto II
Erguer a voz
Escrever foi uma maneira de capturar, agarrar a fala e mantêla por perto. E então eu escrevia os pedacinhos de conversas,
fazendo confissões a diários baratos que logo caíam aos pedaços
de tanto serem manuseados, expressando a intensidade da
minha tristeza, a angústia da fala - por estar sempre dizendo a
coisa errada, fazendo as perguntas erradas. Eu não conseguia
restringir meu discurso aos limites e às preocupações
necessárias da vida. Escondia esses escritos embaixo da cama,
em enchimentos de travesseiros, entre roupas íntimas gastas
penduradas. Quando minhas irmãs os encontravam e liam, elas
me ridicularizavam e zombavam de mim, debochando. Eu me
sentia violentada, envergonhada, como se partes secretas do
meu eu tivessem sido expostas, trazidas para fora e penduradas
como roupa recém-lavada a céu aberto para todo mundo ver. O
medo da exposição, o medo de que os sentimentos mais
profundos e os pensamentos mais íntimos fossem desprezados
como meros devaneios, sentido por tantas garotas jovens que
guardam diários, que recebem e escondem a fala, parece-me
agora uma das barreiras que as mulheres sempre precisaram e
ainda precisam destruir para que não sejamos mais empurradas
para o segredo e o silêncio.
Apesar de meus sentimentos de violação, de exposição,
continuei a falar e a escrever, escolhendo bem meus
esconderijos, aprendendo a destruir o trabalho quando nenhum
lugar seguro podia ser encontrado. Nunca fui ensinada ao
silêncio absoluto; fui ensinada a que era importante falar, mas a
conversar uma conversa que era em si um silêncio. Questionar a
autoridade, levantar questões que não eram consideradas
assuntos apropriados trazia dor, punições – como dizer à mamãe
que eu queria morrer antes dela porque não conseguiria viver
sem ela; essa era uma conversa doida e esse jeito doido, menina,
vai acabar lá no hospício de Western State.
Fonte: HOOKS, Bell. Erguer a voz. São Paulo:Elefante,2019