Sozinhos na multidão: a solidão na era das redes sociais
Solidão. Essa parece ser uma palavra recorrente e uma constante no comportamento das pessoas no século XXI, o século em
que o ser humano nunca esteve, teoricamente, mais conectado aos seus semelhantes em toda a sua história, através do
mundo digital da Web e das redes sociais.
Por mais estranho que possa parecer, ao mesmo tempo em que a Internet abriu um mundo novo e revolucionou praticamente
todas as formas conhecidas de relacionamento entre pessoas, comunidades e países, as pessoas nunca estiveram mais
solitárias, e nunca foram registradas tantas ocorrências de doenças psíquicas, como os diversos transtornos de ansiedade,
comportamentos compulsivos originados de quadros de carência afetiva aguda e fratura narcísica, além do impressionante
aumento de queixas de depressão, nos mais diversos níveis.
Todos estão conectados, linkados e interligados aos outros através das redes sociais como Facebook, Google+ e outras
muitas plataformas existentes com a mesma finalidade (teoricamente): aproximar pessoas. Entretanto, nunca estivemos tão
distantes da conexão real entre as pessoas, seja afetiva ou socialmente. As pessoas hoje preferem passar mais tempo
conectadas através do computador, tablet, celular ou qualquer outro dispositivo, móvel ou não, do que se encontrar fisicamente
para poderem interagir no mundo real.
Pode-se ter uma medida disso ao se observar comportamentos de famílias em restaurantes, grupos de adolescentes no
shopping, amigos/amigas/colegas de trabalho almoçando juntos. Chega a ser impressionante o tempo dedicado por todos aos
seus dispositivos eletrônicos para envio de mensagens ou e-mails, acompanhar as atualizações feitas pelos seus respectivos
“amigos” e conhecidos nas diversas redes sociais, ao invés de dedicar o mesmo tempo para tentar desenvolver algum tipo de
interação ou de conexão afetiva real. No caso dos grupos de adolescentes esse fenômeno chega a ser mais impressionante
(ou diria, talvez, mais preocupante).
As crianças, ao invés de se relacionarem e brincarem umas com as outras, passam a interagir umas com as outras através de
seus tablets e smartphones (dados por pais que não param para avaliar se os filhos já têm idade para serem expostos ao
mundo digital desta forma), mandando mensagens (ao invés de conversarem ao vivo e a cores) entre si, jogando online. Com
os adolescentes, a cena não é muito diferente: numa mesma mesa pode-se ver a interação sendo feita através de
smartphones e tablets, com o envio de mensagens de um para o outro (ao invés de tentar simplesmente conversar), ou através
das atualizações de suas respectivas atividades no “Face” (diminutivo de Facebook, porque dá muito trabalho falar Facebook,
segundo esses adolescentes, cuja marca registrada é um imenso e constante cansaço).
A este panorama, de pessoas altamente conectadas com tudo e todos à sua volta e, por si só, bastante para desencadear a
ansiedade e o aparecimento de neuroses diversas nessa sociedade global do século XXI, adicione-se o surgimento de uma
sociedade em que nunca se viu um contingente tão grande de solitários e de laços afetivos tão fluidos e instáveis, a era do
chamado “amor líquido”. Uma era em que é mais fácil deletar do que tentar resolver obstáculos e conflitos dentro dos
relacionamentos, em que todos estão ligados a todo mundo, mas poucos conseguem estabelecer relações estáveis e
saudáveis, seja do ponto de vista afetivo ou sexual.
Isso me leva a concluir que, neste novo mundo de relações digitais e fluidas, está se criando uma nova geração, na qual os
relacionamentos virtuais – diferentes dos relacionamentos reais, pesados, lentos e confusos – são muito mais fáceis de entrar
e sair; eles parecem inteligentes e limpos, fáceis de usar, compreender e manusear. Quando o interesse acaba, ou a situação
chega a determinado ponto que exige pelo menos elaboração, sempre se pode apertar a tecla “delete”. Não sem
consequências psíquicas ou com tanta leveza quanto aparenta, já que a modernidade não chega com essa velocidade ao
psiquismo.
O que vemos é cada vez mais casos de pacientes com discursos fragmentados, ocorrências de dissociação de personalidade
(um resultado nítido das alter personalidades tão usuais no mundo digital), quadros de carência afetiva aguda e
comportamentos compulsivos diversos (muito provavelmente originados pelo abandono dos pais pós-modernos), além de
transtornos de ansiedade e depressão, nos mais diversos níveis. Vivemos em um mundo onde as pessoas não só estão mais
sozinhas, como estão deprimidas, ansiosas (todas buscando aceitação, acolhimento, conexões afetivas e amor), compulsivas
e, paradoxalmente, conectadas com o mundo. Ou seja, ao contrário do ditado, não basta estar sozinho, mas sozinho, apesar
de acompanhado.
Marcelo Bernstein. Disponível em: http://desacato.info/sozinhos-na-multidao-a-solidao-na-era-das-redes-sociais. Acesso em 16/04/2019.
Adaptado.