TEXTO I
Cuidado: uso excessivo de internet e celular pode
viciar.
Danos ao cérebro seriam similares aos de drogas
como a cocaína.
por Sérgio Matsuura
09/06/2013 22:00
RIO — A tecnologia está definitivamente presente
na vida cotidiana. Seja para consultar informações,
conversar com amigos e familiares ou apenas
entreter, a internet e os celulares não saem das mãos
e mentes das pessoas. Por esse motivo, especialistas
alertam: o uso excessivo dessas ferramentas pode
viciar. Apesar de o distúrbio ainda não constar no
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais, estudos recentes apontam que as
mudanças causadas no cérebro pelo abuso na
utilização da web são similares aos efeitos de
drogas químicas, como o álcool e a cocaína.
— A dependência pela tecnologia é
comportamental, as outras são químicas, mas ela
causa o mesmo desgaste na ponta do neurônio que
as drogas — explica Cristiano Nabuco de Abreu,
coordenador do Grupo de Dependências
Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria do Hospital
das Clínicas de São Paulo.
Fobia de perder o celular
O problema, dizem os especialistas, é o usuário
conseguir diferenciar a dependência do uso
considerado normal. Hoje, a internet e os celulares
são ferramentas profissionais e de estudo. De
acordo com pesquisa realizada pela Google no ano
passado, 73% dos brasileiros que possuem
smartphones não saem de casa sem eles. A
advogada Nídia Aguilar, por exemplo, diz se sentir
ansiosa e incomodada quando fica longe do celular,
pois usa o aparelho para se comunicar com clientes.
Apesar de estar ciente do uso excessivo, ela
considera o telefone fundamental para o trabalho.
— A linha que separa o uso do abuso é tênue.
Mesmo que se use muito o celular, isso não
caracteriza o vício. Na dependência patológica, o
uso excessivo está ligado a um transtorno de
ansiedade, como pânico ou fobia social — afirma a
psicóloga Anna Lucia Spear King, pesquisadora do
Laboratório de Pânico e Respiração do Instituto de
Psiquiatria da UFRJ.
A pesquisadora é a pioneira no estudo científico da
nomofobia, nome cunhado na Inglaterra para
descrever o medo de ficar sem celular (no + mobile
+ fobia).
Ela explica que os principais sintomas da síndrome
são angústia e sensação de desconforto quando se
está sem o telefone e mudanças comportamentais,
como isolamento e falta de interesse em outras
atividades.
— Isso pode indicar que a pessoa está com algum
problema que precisa ser investigado.
Atenção especial às crianças
A professora de piano Olga de Lena não se
considera viciada em celular, mas admite que faz
uso exagerado do seu iPhone. Ela diz não largar o
telefone por questões profissionais. E ressalta os
pontos positivos de ter conexão à internet na palma
da mão, como pesquisar músicas durante uma aula
ou usar o mapa para se localizar.
— Estou sempre com ele. O aluno pede uma
música e eu acesso na mesma hora. Quando vou a
um restaurante, ele fica em cima da mesa. Sei que
não é de bom tom, mas eu deixo mesmo que seja no
silencioso — conta Olga, que relata a sensação de
ficar sem o smartphone. — É desesperador! Eu
perdi o meu aparelho recentemente e me senti como
se estivesse doente, faltando uma parte de mim.
O relato de Olga pode ser considerado normal, mas
existem casos que chamam atenção. Cristiano
Nabuco atendeu a uma mãe que tinha que dar o
celular para o filho de dois anos para que ele saísse
da cama. Pior, no shopping a criança pedia colo
para as vendedoras das lojas para tocar no teclado.
Segundo o psicólogo, a tecnologia está se tornando
uma espécie de babá eletrônica, e os pais não
conseguem medir as consequências disso.
É comum ver, em festas infantis, crianças isoladas
com o celular do pai na mão em vez de estar
brincando com os colegas. De acordo com Nabuco,
tal comportamento interfere no desenvolvimento
emocional do indivíduo, o que pode acarretar
transtornos na fase adulta. Ele recomenda que os
pais não deem smartphones e tablets para crianças
muito novas e monitorem como os filhos estão
usando a internet.
No Hospital das Clínicas de São Paulo, o
tratamento da dependência em tecnologia é feito
com 18 reuniões semanais de psicoterapia de grupo,
tratamento psiquiátrico e suporte emocional para os
familiares, modelo parecido com o adotado para
outros vícios. A pesquisadora Anna Lucia explica
que, em alguns casos, é preciso tomar medicação.
A psicóloga Luciana Nunes, do Instituto Psicoinfo,
pede ações do governo para o tratamento dos
dependentes. Segundo ela, existem diversos
projetos para promover a inclusão digital, mas não
para apoiar quem sofre com o uso em excesso da
tecnologia.
— Com a popularização dos smartphones, o
problema tende a crescer. Quanto mais interativo é
o aparelho, maior o potencial de dependência —
afirma a psicóloga.
Para não sofrer desse mal, os especialistas
recomendam moderação, mesmo que o smartphone
ou a internet sejam essenciais para determinadas
atividades. Cristiano Nabuco aconselha que as
pessoas fiquem ao menos uma hora por dia longe
do celular e desabilitem as notificações automáticas
de e-mail e redes sociais. Também é essencial
manter atividades ao ar livre, com encontros
presenciais com outras pessoas. É o que faz o
estudante de administração Felipe Souza. Pelo
celular, ele joga, manda mensagens, lê e-mails e até
assiste televisão. Na internet, conversa pelo Skype e
participa de jogos on-line, mas não abandona o
futebol semanal com os amigos.
— O celular não afeta o meu dia a dia. Só fico com
ele na mão quando não tenho nada melhor para
fazer — diz.
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