Leia um trecho da entrevista com o compositor João Pacífico
para responder a questão.
Em Campinas, eu arranjei um emprego na Companhia
Paulista de Estrada de Ferro. Fui um alto funcionário da Companhia, um alto funcionário de categoria: eu era ajudante de
lava-prato. Magine, ocê, um cara limpava o prato e eu lavava.
E assim foi.
Foi minha felicidade, porque um dia o cozinheiro disse:
“João, sabe quem está viajando, viaja sempre conosco? É
o doutor Guilherme de Almeida1
”. (Ele era inteligente o cozinheiro, falava “conosco”.) Eu não sabia, pensei que fosse um
diretor de futebol ou coisa assim. “João, faz um versinho daqueles que você faz de vez em quando, quando o trem dá um
descanso pra gente, e eu levo pra ele.” Eu fiz uns versinhos e
entregaram a ele. “Leva a ele o meu cartão e fala pra me procurar na Cruzeiro do Sul2
”, foi o recado do doutor Guilherme.
Aí, eu fui, vesti meu terninho branco, bonito, calça curta. Eu
de branco e estava um frio, aquela garoa fria de São Paulo, tremia que nem cabra (não sei se cabra treme, acho que treme).
Cheguei na Cruzeiro do Sul, desce um elevador com um
senhor de chapéu bonito e sobretudo Bataclan tudo pintadinho e luvas pretas. Olhava para ele e eu todo de branco, e
ele todo enfaixado. Moço (acho que foi por isso que ele me
protegeu, porque o chamei de “moço”), eu queria ir na Cruzeiro do Sul. “É no sétimo andar. Espera um pouco, você não
é aquele menino do trem?” Eu sou. “Eu que dei o cartão para
você vir aqui. Vamos subir.”
Aí eu subi aquele trenzão, o elevador rápido. Eu gostei,
gostei – avião não tinha voado, mas eu voei naquele trem.
Chegou lá em cima, ele chamou o Paraguassu3
e disse: “Aqui
tem um rapaz que escreve umas coisas bem brasileiras”.
(A música brasileira deste século por seus autores e intérpretes – vol. 1
João Carlos Botezelli e Arley Pereira. SESC São Paulo. Adaptado)
1Guilherme de Almeida: poeta, jornalista, tradutor, crítico de cinema.
2Cruzeiro do Sul: emissora de rádio em São Paulo.
3Paraguassu: cantor e compositor brasileiro, cujo nome verdadeiro era
Roque Ricciardi.