Férias da família
Assim que as crianças entram no carro, ele sente-se em
férias. Corre para a frente da televisão, tira os sapatos, embola as meias e atira no meio do tapete. Não há maior sensação
de liberdade para um homem do que espalhar roupas pela
casa sem o risco de ouvir reclamações. Comer e deixar os
pratos empilhados é outra delícia. Todas as conquistas femininas dos últimos anos, que levaram o sexo masculino a dividir
as tarefas da casa, vão por água abaixo. A invenção mais perfeita para um senhor em férias é o micro-ondas. Em poucos
minutos, qualquer gororoba já começa a soltar fumaça.
Nesse instante, ele pensa: Como é boa a vida de solteiro!
E é invadido por uma nostalgia imensa do tempo em que não
era casado, não tinha filhos e tantas responsabilidades. O
dinheiro era, principalmente, para se divertir.
Pressente que, de descanso, a esposa não tem nada.
Na praia, passa os dias às voltas com as crianças, tratando
das refeições, das roupas, das queimaduras e dos momentos
em que os filhos estão entediados e querem arrancar um a
orelha do outro.
Mesmo assim, ele se acha um tanto injustiçado e resolve que tem o direito de aproveitar. Pede à empregada
que faça bife à milanesa com arroz e batatas fritas para o
jantar. É seu grito de liberdade. A esposa nunca faz nada
à milanesa. Vive de regime e as frituras estão interditadas.
Ele adora.
À noite, lembra-se do bife à milanesa. Bota no micro.
Retira uma sola de sapato com batatas molengas. Vai para a
cama com o estômago reclamando.
Dali a dois dias, vai fazer café, e o pó acabou. Não há uma
camisa de colarinho sequer. No caminho do trabalho, deixa
todas na lavanderia. Chega atrasado. Ao voltar, o apartamento está com cheiro de úmido por causa das chuvas. As meias
sujas brotam do tapete como cogumelos. Faz uma maleta às
pressas e, no dia seguinte, sai mais cedo do expediente para
se refugiar na praia.
De noite, ambos caem exaustos na cama. Ouve de longe
o barulhinho das crianças cochichando no quarto. Respira fundo e descobre: mal passou uma semana e já está morrendo de
saudade da boa vida de casado!
(Walcyr Carrasco. Veja SP, 30.01.2002. Adaptado)