No trecho “Então, é preciso fazer justiça aos dias lindos, o...
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Ano: 2025
Banca:
Instituto Consulplan
Órgão:
Prefeitura de Duque de Caxias - RJ
Prova:
Instituto Consulplan - 2025 - Prefeitura de Duque de Caxias - RJ - Agente de Combate às Endemias |
Q3261355
Não definido
Texto associado
Os dias lindos
Acontece em abril nessa curva do mês que descamba para a segunda metade. Os boletins meteorológicos não se
lembraram de anunciá-lo em linguagem especial. Nenhuma autoridade, munida de organismo publicitário, tirou partido
do acontecimento. Discretos, silenciosos, chegaram os dias lindos. E aboliram, sem providências drásticas, o estatuto do
calor. A temperatura ficou amena, conduzindo à revisão do vestuário. Protege-se um tudo-nada o corpo, que vivia por aí
exposto e suado, bufando contra os excessos da natureza. Sob esse mínimo de agasalho, a pele contente recebe a visita
dos dias lindos.
A cor. Redescobrimos o azul-correto, o azul azul, que há meses se despedaçara em manchas cinzentas no branco sujo
do espaço. O azul reconstituiu-se na luz filtrada, decantada, que lava também os matizes empobrecidos das coisas naturais
e das fábricas. A cor é mais cor, na pureza deste ar que ousa desafiar os vapores, emanações e fuligens da era tecnológica.
E o raio de sol benevolente, pousando no objeto, tem alguma coisa de carícia.
O ar. Ficou mais leve, ou nós é que nos tornamos menos pesadões, movendo-nos com desembaraço, quando, antes,
andar era uma tarefa dividida entre o sacrifício e o tédio? Tornou-se quase voluptuoso andar pelo gosto de andar,
captando os sinais inconfundíveis da presença de dias lindos.
Foi certamente num dia como este que Cecília Meireles escreveu: “A doçura maior da vida flui na luz do sol, quando
se está em silêncio. Até os urubus são belos, no largo círculo dos dias sossegados”. Porque a primeira consequência da
combinação de azul e leveza de ar é o sossego que baixa sobre nosso estoque de problemas. Eles não deixam de existir.
Mas fica mais fácil carregá-los.
Então, é preciso fazer justiça aos dias lindos, oferecer-lhes nossa gratidão.
A reação em cadeia pode contribuir para amenizar um tanto o que eu chamo de desconcerto do mundo. De onde se
conclui: deixar de lado, mesmo por instantes, o peso dos acontecimentos mundiais trágicos, esmagadores, para degustar
a finura da atmosfera e a limpidez das imagens recortadas na luz, é um passo dado para reduzir o desconcerto, na medida
em que a boa disposição de espírito de cada um pode servir de prefácio, ou rascunho de prefácio, à pacificação, ou relativa
pacificação, dos povos e seus dominadores. Em vez de alienação, portanto, o prazer dos dias lindos é terapia indireta.
(Carlos Drummond de Andrade. Texto publicado no Jornal do Brasil, 1970. Fragmento.)
No trecho “Então, é preciso fazer justiça aos dias lindos, oferecer-lhes nossa gratidão.” (5º§), é possível inferir que a presença do pronome possessivo em “nossa gratidão” denota: