Considere as seguintes afirmações sobre o texto de Ana Elisa...
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Ano: 2025
Banca:
CEFET-MG
Órgão:
CEFET-MG
Provas:
CEFET-MG - 2025 - CEFET-MG - Engenheiro/Área - Mecânico
|
CEFET-MG - 2025 - CEFET-MG - Medicina/Área Psiquiatra |
Q3196359
Não definido
Texto associado
Leia o texto a seguir e responda à questão.
Tire a crônica da cartola
Ana Elisa Ribeiro
De vez em quando preciso ensinar a escrever crônicas. Acho difícil dizer de onde partir, a que se
agarrar. Posso começar pela parte teórica, digamos, segundo a qual a pessoa precisa ligar uma
antena, um radar, dentro de si, e ser observadora. Observar quer dizer estar atenta a muitas
coisas, todo o tempo, e distraída de outras. Uma vez, ao volante, me distraí do trânsito à minha
frente porque fiquei prestando atenção a duas velhinhas gêmeas atravessando a rua. Isso eu via
pelo retrovisor esquerdo. Assisti à cena como se fosse um filme. Elas tinham certa dificuldade de
dar passos rápidos e precisos (estou chegando à conclusão de que tenho medo desse aspecto da
velhice), cambaleavam um pouco, uma ajudava a outra, porque provavelmente uma era mais vivaz
do que a outra, se escoravam, falavam alguma coisa que eu não podia ouvir, alguma ranhetice
de velhas sem paciência recíproca, mas atravessaram. Nisso, o semáforo abriu e eu fiquei parada,
sem saber que meu tempo urgia, até que algum outro motorista tratou de me lembrar, por meio
da buzina. Arranquei ainda querendo ver a trajetória das idosas, e um pouco pasma porque só
conhecia gêmeas jovens.
[...]
Se duas velhinhas gêmeas atravessam a rua em meio ao trânsito caótico da cidade, e fazem
isso com alguma dificuldade, quem é que presta atenção? Quão banal isso parece? Onde está a
crônica, seu nascedouro, sua gênese? A meu ver, estava na travessia ranzinza das velhinhas, mas
podia estar na buzina e no sinal fechado, na minha própria distração do trânsito. Provavelmente
o eventual cronista no carro atrás escreverá um texto em que conta da motorista distraída do
carro da frente. Talvez alguém que eu nem sequer vi tenha algo a dizer sobre a cena de dois
carros, dois motoristas, um deles distraído com duas velhinhas gêmeas que atravessam a rua,
a buzina, a impaciência, o estresse. Talvez haja alguém na janela de um prédio, vendo tudo de
cima, como se fosse uma águia. Ou quiçá uma das velhinhas, a cronista (a menos ou a mais vivaz
delas?), resolva chegar em casa, abrir as janelas, ligar um computador já velho, doação do filho,
e escrever uma crônica sobre o que é estar idosa a atravessar uma rua movimentada na cidade,
como os motoristas são mal-educados, as buzinas e a irmã, que já dá muito trabalho. E talvez
fosse nossa chance, leitores de crônicas, de saber mais sobre essas duas mulheres. Não saberemos.
Do meu ponto de vista, tudo o que está nelas é só delas. O que estava em mim era uma espécie de
assombro, certa empatia, torcendo para que elas chegassem salvas à outra margem.
Ensinar a escrever crônicas não prescinde de exercícios. O olhar é um item importante, mas há
outros. Se nos sentarmos todos à porta de casa, ali no alpendre (supondo que ainda moremos em
casas térreas de portão baixo), e nos dispusermos a observar a rua por duas horas, que material
conseguiremos recolher? Posso suspeitar apenas e escrever uma crônica com minha imaginação,
toda ela assentada sobre a vida que vejo passar todos os dias ali, até quando não estou à janela
ou sentada no alpendre (aliás, palavra antiga esta). Em duas horas, talvez um sem-número de
pessoas passe a pé, indo resolver o que nem imagino, ouvindo músicas de que não suspeito, em
fones que foram comprados em viagens ou ganhados de um parente. Muitos carros cruzam as
esquinas, alguns se dão bom-dia, vários buzinam impacientes, claro, e alguém percebe, de dentro
da cabine, que quem dirigia o carro na direção contrária era um ex-amor. Era como encontrar
o passado por dois segundos e deixá-lo se distanciar, pelo retrovisor interno. As pessoas talvez
se cumprimentem na rua e pode ser que algumas parem para conversar por alguns minutos. Se
dermos sorte, conseguiremos ouvir o papo, saber das coisas sobre familiares, doenças, visitas não
cumpridas, mortes, mudanças, planos de viagem ao interior. Teremos farto material, e ouvir os
outros é mesmo isto: recolher, mas também pode ser transformar.
Ensinar a escrever crônicas talvez passe por capturar uma chispa no ar e dar asas a ela. Não passou
ninguém, não me sentei no alpendre, não tenho duas horas de observação ao pé da porta, mas
posso imaginar e fazer com que pareça real, uma cena, um cenário, uma conversa de verdade, que
provoque sensações e que comova, ou que enraiveça e revolte. O que um cronista quer? Não vou
dizer que queira apenas contar uma história ou comentar um assunto. Um cronista quer suspender
a vida por uns minutos. Como se ensina isso? A suspender… mesmo que não venham as idosas
gêmeas pelo retrovisor, mesmo que elas tenham sido imaginadas, e que estejamos longe de morar
em casas com alpendre?
Disponível em: https://rascunho.com.br/cronistas/ana-elisa-ribeiro/tire-a-cronica-da-cartola/. Acesso em: 02 dez. 2024.
Considere as seguintes afirmações sobre o texto de Ana Elisa Ribeiro:
I. As informações apresentadas entre parênteses são acessórias e repetem ideias já exploradas contextualmente.
II. Um dos conceitos de “observar”, sublinhado no texto, é poético, uma vez que a autora apresenta uma definição contrária à que preconiza o dicionário.
III. Em “Isso eu via pelo retrovisor esquerdo”, sublinhado no texto, o pronome demonstrativo “isso” recupera todo o período anterior à sua aparição.
IV. Os vocábulos “ranhetice”, “alpendre” e “chispa”, sublinhados no texto, marcam um tipo de variação linguística, a saber, a variação histórica.
V. A função de linguagem predominante empregada no texto é a conativa ou apelativa, cujo foco é convencer ou persuadir o leitor.
Estão corretas as afirmativas
I. As informações apresentadas entre parênteses são acessórias e repetem ideias já exploradas contextualmente.
II. Um dos conceitos de “observar”, sublinhado no texto, é poético, uma vez que a autora apresenta uma definição contrária à que preconiza o dicionário.
III. Em “Isso eu via pelo retrovisor esquerdo”, sublinhado no texto, o pronome demonstrativo “isso” recupera todo o período anterior à sua aparição.
IV. Os vocábulos “ranhetice”, “alpendre” e “chispa”, sublinhados no texto, marcam um tipo de variação linguística, a saber, a variação histórica.
V. A função de linguagem predominante empregada no texto é a conativa ou apelativa, cujo foco é convencer ou persuadir o leitor.
Estão corretas as afirmativas