É correto, sem advérbios. A lição da menina negra, magérri...
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Q1194502
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É correto, sem advérbios. A lição da menina negra, magérrima, que cantou feito rainha. Eliza Soares estreou no programa de Ary Barroso na Rádio Tupi. Tinha 16 anos e era mãe. Sua cria estava doente e Elza inscreveu-se no show de Barroso porque os primeiros lugares ganhavam prêmios em dinheiro. Era uma chance de pagar o tratamento do filho. Elza subiu no palco, mulher negra, jovem, magérrima, vestida conforme o lugar que lhe cabia na perversa espiral de privilégios da nossa sociedade. Notavam-se os remendos no vestido. Os alfinetes. Ary Barroso ficou chocado com alguém que, para muitos, não merecia estar sob os holofotes. “O que é que você veio fazer aqui?” Ary recebeu Elza com boa dose da branquitude, classismo e machismo que inebriam a elite brasileira desde sempre. Elza respondeu: "Eu vim cantar”. Ary seguiu a cantilena da opressor: “E quem disse que você sabe cantar?”. A menina de 16 anos,cujo filho ardia em febre, respondeu com a coragem das mães: “Eu”. “De onde você veio, menina?” Ary não parecia se cansar de assinalar que Elza era uma estrangeira ali, Nesse momento, a menina respondeu com a audácia disruptiva que mora em cada nota do seu jazz de lata d'água na cabeça:" Eu vim do planeta fome”. Em 1983, a respeitadíssima acadêmica indiana Gayatri Spivak escreveu Pode o Subalterno Falar? O ensaio, referência para quem deseja compreender a contribuição dos estudos pós coloniais para as ciências humanas, fala do silenciamento sistemático do subalterno. Categoria nomeada por Gramsci, o subalterno é quem não pertence socialmente e politicamente às estruturas hegemônicas de poder. Os excluídos. Os trituradas diariamente pela mecânica da discriminação, As Elzas e seus filhos febris. Spivak teorizou sobre o fato de não parecer natural ou adequado o subalterno falar. O silêncio é o que se espera dele. Se o subalterno não deve falar, como poderia ousar cantar? Ary e sua plateia, que ria da humilhação de Elza, achavam que não. E hoje? Seria diferente? Mudamos pouco, Somos a mesma plateia rindo de novas humilhações que nos chegam pelas novas mídias, mas somos iguais. Esperamos do subalterno o silêncio. Zombamos do subalterno que ousa quebrar esse nosso contrato social. E não se enganem: a zombaria é o novo açoite. Mudamos pouco. Os ancestrais de Elza foram para o pelourinho. Elza fo! ridicularizada ao vivo. Hoje, fingimos ter superado esse passado, mas as revistas lidas pelas madames saúdam à nova onda: uniformes de domésticas assinados por estilistas renomados. Mudamos quase nada. Naquele dia, Elza cantou Lama na Rádio Tupi. A subalterna cantou rainha, majestosa. Ary Barroso aplaudiu boquiaberto. A plateia que antes riu levantou-se. Reverenciou a nobreza da negra do planeta fome que ousou adentrar um espaço que lhe era negado e fez dele seu reino. Para quem ainda não entendeu: o politicamente correto é simplesmente isso. O correto. Algumas piadas a menos? Sim. Mas, em troca, hoje temos infinitos talentos antes silenciados embalando nossos sonhos. Só os que não sonham não veem que o resultado é positivo e deve ser comemorado.
(Manoela Miklos. 25 de janeiro, 2019. Revista VEJA).
No terceiro parágrafo, o excerto “(...) fala do silenciamento sistemático do subalterno.”, o uso da aliteração conota:
(Manoela Miklos. 25 de janeiro, 2019. Revista VEJA).
No terceiro parágrafo, o excerto “(...) fala do silenciamento sistemático do subalterno.”, o uso da aliteração conota: