A partir da leitura do texto é possível compreender e infer...

Próximas questões
Com base no mesmo assunto
Q3116647 Português

Escala 6×1 afeta mais a população negra e reproduz escravidão, diz psicóloga


Por Diego Junqueira | 20/11/2024



A ESCALA DE TRABALHO 6×1 (seis dias trabalhados para um de folga) representa um resquício da escravidão e afeta principalmente a população negra, sem direito ao descanso ou à própria vida. Essa é a análise da psicóloga Ana Luísa Araújo Dias, mestra em saúde comunitária pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e especialista em saúde mental e políticas de equidade, com foco na população negra. "Dá para fazer um paralelo [da escala 6×1] com o trabalho da escravidão mesmo, porque é um corpo que não é visto como digno de vitalidade. É um corpo apenas visto pelo caráter da produção e da exaustão", compara.


[...] "Há diagnósticos para isso, como os casos de burnout, ansiedade e depressão, mas a gente não pode mais naturalizar essa vida automatizada que impede que a gente tenha qualidade e vitalidade", afirma Dias. "Não dá para naturalizar esse sono entrecortado, tanto tempo no transporte público em condições tão difíceis. Não dá para naturalizar esse isolamento, essa impossibilidade das relações serem vividas", continua.


Filha de uma ex-trabalhadora doméstica submetida a longas jornadas e privada de folga aos fins de semana, a psicóloga [...] propõe uma reflexão sobre autocuidado, inspirada nas conquistas da população negra escravizada que enfrentou os senhores de terra não somente por condições dignas de trabalho, mas por uma vida melhor. "Nossos ancestrais não fizeram tudo o que fizeram para que nós hoje pudéssemos estar aqui recebendo tanto ou com tal título. Mas para que a gente pudesse ter o direito de existir e de viver a vida boa", diz.


Leia a entrevista com Ana Luísa Araújo Dias.


[...]


Um corpo sem direito à vitalidade


A escala 6×1 afeta uma maioria da população trabalhadora composta por pessoas negras. E dá para fazer de um modo muito evidente um paralelo com o trabalho da escravidão mesmo, porque é um corpo que não é visto como digno de vitalidade. É um corpo apenas visto pelo caráter da produção e da exaustão. Ele não tem sequer uma fase de recuperação. Há uma marca da exaustão, do esgotamento, mesmo em situações onde é possível parar. Pessoas negras não conseguem muitas vezes parar porque o modo de trabalho contínuo e exaustivo é uma marca histórica subjetiva. Isso constrói também a nossa subjetividade.


Vida além do trabalho


Muitas vezes, no âmbito da população periférica, para ser trabalho de fato, ele precisa ser exaustivo. Precisa ter uma rotina de sair de casa, precisa ter um desgaste para considerar que, de fato, o esforço está tendo resultado. O que combina com a falácia neoliberal de que, quanto mais você trabalha, aí vem o sucesso. O sucesso não está relacionado à quantidade de horas que você trabalha. Essa é uma lógica capitalista que é colocada nas nossas cabeças. Mas isso não corresponde à realidade.


 O trabalho deve ser uma das dimensões da vida. Mas se o trabalho impede que existam outras dimensões da vida, que é o que a escala 6×1 coloca, isso vai na direção oposta ao que é, de fato, ter uma vida. Então, não é possível ter qualidade de vida se você não consegue ter um sono de qualidade, uma rotina alimentar de qualidade, se você não consegue descansar. A escala 6×1 considera esse corpo como uma máquina de produzir, mas não um corpo sujeito que merece dignidade e vitalidade. [...] não é possível a uma pessoa trabalhadora poder sequer dormir bem se ela trabalha numa escala 6×1. O sono fica muito restrito. O que a pessoa faz após o trabalho e antes de voltar ao trabalho fica condicionado nesse entre jornadas de trabalho. Vários estudos de saúde mental já mostram o impacto do sono, do lazer e das relações sociais saudáveis, relações familiares, amizades e um círculo social saudável no bem-estar físico. Mas isso fica completamente inviabilizado pela escala 6×1, porque a pessoa não tem a possibilidade de existir para além do trabalho, como o próprio movimento demarca.


Inviável o convívio familiar


Eu sou filha de uma ex-trabalhadora doméstica. Até os meus dez anos de idade, eu, minha mãe e meu irmão morávamos na casa que era no quarto dos fundos da casa em que 'mainha' trabalhava. Era uma lógica de casa grande e algumas empregadas. A gente morava num quartinho do lado da lavanderia. Eu não sabia o que era uma rotina de sair do trabalho e chegar no trabalho, porque minha mãe sempre estava trabalhando. [...] É inviável o convívio entre a família. Se a gente pensa a mãe, o pai e as crianças, essa escala torna inviável o cotidiano dessa família de acompanhar o acordar das crianças e o desenvolvimento delas, participar de atividades na escola, do lazer em família. [...]


A história que nos constrói


É muito importante que a gente perceba essa dimensão histórica e o quanto o Brasil ter essa história também nos constrói subjetivamente. Aí a gente pode compreender por que uma pessoa que trabalha na escala 6×1 pode fazer um discurso que apoia essa escala: porque elas nem sabem que outro modo de existir é possível. E quando outras pessoas dizem que é possível, aí entra toda a carga de: "Ah, é preguiçoso, não está trabalhando direito, não é assim que se faz".


A gente pode perceber esse impacto geracional. Se hoje os filhos têm a possibilidade de trabalhar home office ou com um trabalho intelectual, para os pais, o trabalho está relacionado a essa construção da exaustão, o cotidiano é esse cotidiano de sair, passar horas no transporte. Mas para uma jovem de 20 anos que começa a trabalhar com essa escala, fica inviabilizado o estudo e a descoberta dos interesses da vida. Essa pessoa é confrontada, logo no início da vida adulta, com uma escala que prejudica o sono, a alimentação e as relações.


[...] Para além de pensar em uma determinada classe, um grupo de serviços, a gente pensa em vida além do trabalho. Que vida é essa que a gente está vivendo, construindo e colocando para as gerações seguintes?


[...] Eu costumo dizer que nossos ancestrais, desde lá atrás, não fizeram tudo o que fizeram para que nós hoje pudéssemos estar aqui recebendo tanto ou com tal título. Mas era para que a gente pudesse ter o direito de existir, de viver a vida boa. Bem-viver é isso. É a gente se enxergar como sujeito. [...]


(Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/2024/11/escala-6x1-afeta-mais-negros-reproduz-escravidao/. Acesso em 08 dez. 2024. Adaptado.)

A partir da leitura do texto é possível compreender e inferir várias ideias a respeito do mundo do trabalho no Brasil, especialmente sobre a escala 6X1. Analise as proposições que seguem e marque V, para as verdadeiras, e F, para as falsas:

(__)A questão do trabalho no Brasil é uma questão construída historicamente e passa pelo período da escravidão, cujos ideais ainda perduram até os dias de hoje na forma como a classe trabalhadora é vista e tratada. Nesse contexto, a população mais explorada pela escala 6X1 é a população negra, a quem, de alguma forma, ainda é negado o direito à vida e à própria existência.
(__)Um número considerável de pessoas imersas na escala 6X1 defendem o modelo porque, na verdade, elas não sabem como existir de outra forma, normalizando o fato de serem vistas apenas como um corpo que funciona como uma máquina de produzir. Muitas nasceram nesse modelo de escala, a 6X1, e não conhecem outra forma de trabalho.
(__)Apesar da distância temporal e de contexto histórico, a reflexão proposta pela psicóloga dialoga com o "O último discurso", de "O grande ditador", de Charles Chaplin, no trecho: "Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas ideias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como um gado humano e que vos utilizam como carne para canhão! Não sois máquina! Homens é que sois!".

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta:
Alternativas