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Ano: 2022
Banca:
VUNESP
Órgão:
Prefeitura de Piracicaba - SP
Prova:
VUNESP - 2022 - Prefeitura de Piracicaba - SP - Secretário de Escola |
Q2091340
Português
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Vozes ao ouvido
Céu e mar estão competindo pelo azul nesta primavera
carioca – um azul de tinteiro, de caneta Parker. Todas as manhãs, o calçadão Ipanema-Leblon transborda de gente contente por apenas estar ali, exercendo o seu direito de viver.
É gente de vários estratos, idades, cores, línguas e de todos
os estilos de caminhar ou correr. A exceção é a minoria que,
indiferente ao azul, caminha atracada ao celular, o cenho
franzido, discutindo coisas inadiáveis.
Minoria na orla, mas maioria ao redor. No próprio calçadão, já vi um sem-teto em andrajos, sentado na escadaria
do Leblon, falando ao celular. Sentei-me ao seu lado como
quem não quer nada, tentando ouvir retalhos da conversa.
Falava numa língua que eu não entendia, talvez português.
Tudo bem, o importante era o homem falando ao celular – o
meio era a mensagem.
Há pouco, num shopping, um menino de quatro ou cinco
anos levava ao ouvido um ursinho de pelúcia. Não sei se o
ursinho tinha um celular embutido. Podia ser como o menino
enxergava os adultos – todos com um objeto à orelha – e
achasse que aquela era a maneira de usar o mundo.
Não seria uma visão absurda. Descendo no Aeroporto
Santos-Dumont na semana passada, eu era o único passageiro sem o telefone ao ouvido. Em vez disso, trazia na mão
um objeto outrora tão popular quanto o celular: um livro. Por
acaso, uma edição de bolso do clássico “Memórias de um
Sargento de Milícias”.
Instintivamente, repeti o gesto de todo mundo e levei o
livro à orelha. E, então, deu-se o milagre. Escutei a voz dos
personagens de Manuel Antonio de Almeida. Vozes vindas de
um tempo remoto – mas que chegavam a mim com incrível
nitidez.
(Ruy Castro. A arte de querer bem - Crônicas.
Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2018. Excerto adaptado)
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