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Q601614 Português
                                                        Mineirinho

    É, suponho que é em mim, como um dos representantes de nós, que devo procurar por que está doendo a morte de um facínora. E por que é que mais me adianta contar os treze tiros que mataram Mineirinho do que os seus crimes. Perguntei a minha cozinheira o que pensava sobre o assunto. Vi no seu rosto a pequena convulsão de um conflito, o mal-estar de não entender o que se sente, o de precisar trair sensações contraditórias por não saber como harmonizá-las. Fatos irredutíveis, mas revolta irredutível também, a violenta compaixão da revolta. Sentir-se dividido na própria perplexidade diante de não poder esquecer que Mineirinho era perigoso e já matara demais; e no entanto nós o queríamos vivo. [...]

    Mas há alguma coisa que, se me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina — porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro.

    Essa justiça que vela meu sono, eu a repudio, humilhada por precisar dela. Enquanto isso durmo e falsamente me salvo. Nós, os sonsos essenciais. Para que minha casa funcione, exijo de mim como primeiro dever que eu seja sonsa, que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados. Se eu não for sonsa, minha casa estremece. [...]

    Em Mineirinho se rebentou o meu modo de viver. [...] Sua assustada violência. Sua violência inocente — não nas consequências, mas em si inocente como a de um filho de quem o pai não tomou conta. Tudo o que nele foi violência é em nós furtivo, e um evita o olhar do outro para não corrermos o risco de nos entendermos. Para que a casa não estremeça. A violência rebentada em Mineirinho que só outra mão de homem, a mão da esperança, pousando sobre sua cabeça aturdida e doente, poderia aplacar e fazer com que seus olhos surpreendidos se erguessem e enfim se enchessem de lágrimas. [...]

    A justiça prévia, essa não me envergonharia. Já era tempo de, com ironia ou não, sermos mais divinos; se adivinhamos o que seria a bondade de Deus é porque adivinhamos em nós a bondade, aquela que vê o homem antes de ele ser um doente do crime. Continuo, porém, esperando que Deus seja o pai, quando sei que um homem pode ser o pai de outro homem. E continuo a morar na casa fraca. Essa casa, cuja porta protetora eu tranco tão bem, essa casa não resistirá à primeira ventania que fará voar pelos ares uma porta trancada. [...] o que me sustenta é saber que sempre fabricarei um deus à imagem do que eu precisar para dormir tranquila e que outros furtivamente fingirão que estamos todos certos e que nada há a fazer. [...] Feito doidos, nós o conhecemos, a esse homem morto onde a grama de radium se incendiara. Mas só feito doidos, e não como sonsos, o conhecemos. [...]

    Até que viesse uma justiça um pouco mais doida. Uma que levasse em conta que todos temos que falar por um homem que se desesperou porque neste a fala humana já falhou, ele já é tão mudo que só o bruto grito desarticulado serve de sinalização. Uma justiça prévia que se lembrasse de que nossa grande luta é a do medo, e que um homem que mata muito é porque teve muito medo. Sobretudo uma justiça que se olhasse a si própria, e que visse que nós todos, lama viva, somos escuros, e por isso nem mesmo a maldade de um homem pode ser entregue à maldade de outro homem: para que este não possa cometer livre e aprovadamente um crime de fuzilamento.

    Uma justiça que não se esqueça de que nós todos somos perigosos, e que na hora em que o justiceiro mata, ele não está mais nos protegendo nem querendo eliminar um criminoso, ele está cometendo o seu crime particular, um longamente guardado. [...]

                                                                                                                     Clarice Lispector                                                                                         (Disponível em ip.usp.br. Adaptado.)
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                  "Essa casa, cuja porta protetora eu tranco tão bem, essa

                 casa não resistirá à primeira ventania que fará voar pelos

                                       ares uma porta trancada."

Agora, analise a estrutura que está na base da passagem transcrita, para assinalar a alternativa que contenha um sintagma destacado com a mesma função sintática (no contexto em que aparece) da palavra "que", em destaque acima. 
Alternativas

Comentários

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Que = Sujeito 

O que foi violento nele? Tudo.

Tudo, está exercendo a função sintática de sujeito.O "que", também exerce a função sintática de sujeito. Gabarito: C

O termo 'que', na função de pronome relativo, para ser encontrada sua função sintática, deve-se substitui-lo na oração pelo termo referido, no caso, 'a primeira ventania'.

o que fará voar pelos ares? a primeira ventania. então, o pronome relativo que exerce a função sintática de sujeito.

Vi uma crase antes de primeira ventania,por isso me confundi.

Antes de tudo é preciso identificar a classe morfológica desse "que". Podemos observar que o referido termo está retomando o termo"ventania" presente na outra oração, o que faz dele um pronome relativo. Posto isso, é preciso então descobrir qual é a função sintática que o pronome relativo "que" exerce na oração. Para isso, é preciso isolar a oração em que o pronome relativo aparece. Desse modo, temos:

 

" ... essa casa não resistirá à primeira ventania / que fará voar pelos ares ... "

 

Em seguida é preciso substituir, na oração isolada, o pronome relativo pelo termo antecedente, no caso, "ventania". A função sintática que o termo exerce na nova oração é a mesma que o pronome relativo exerce na oração original. Observem:

 

 " ... que fará voar pelos ares ... "

" ... ventania fará voar pelos ares ... "

 

Portanto, o pronome relativo exerce função de sujeito. Agora, basta encontrar uma alternativa que contenha um termo destacado exercendo função de sujeito.

 

Quem escolheu a busca não pode recusar a travessia - Guimarães Rosa

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Gabarito: C

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